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  • Christian Velloso Kuhn

A Culpa Não é só de Bolsonaro


 

Por Christian Velloso Kuhn

Economista e professor do Instituto PROFECOM

 

Em artigo que analisei os primeiros dois anos do Governo Bolsonaro[i], expus a fragilidade de nossas instituições e, principalmente, dos seus membros e lideranças. Seja intencionalmente, seja por leniência, estes não conseguiram até o momento, com raras exceções, imporem os pesos e contrapesos do nosso sistema democrático para se estabelecer limites toleráveis para sua atuação na presidência da República. O resultado é a exposição diária de constrangedoras e repugnantes ações e omissões do presidente e seus asseclas do executivo e legislativo, com polêmicas claramente orquestradas para desviar nossa atenção dos temas mais significativos e prementes.


Essa estratégia é por demais conhecida, tendo sido largamente seguida pelo ex-presidente Trump, sob orientação e assessoramento de Steve Bannon. Como comentei em outro artigo, no livro “Os Engenheiros do Caos”, de Giuliano Da Empoli (2019)[ii], o autor desvenda esse estratagema de “(...) uso das ferramentas da informática (Big Data e Algoritmos) e da internet (Redes Sociais) para promover fake news e teorias da conspiração por meio desses candidatos e seus apoiadores e (...) acabam ‘sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições’”[iii]. Dado o alto nível de mediocridade de Bolsonaro e sua vassalagem a Trump, limitou-se a apenas copiar seu ídolo norte-americano, até mesmo com a criação de um “gabinete do ódio”.


Porém, recentemente, com o advento e andamento da CPI da COVID, Bolsonaro parece que vem abusando dessa prática, desrespeitando ainda mais os princípios exigidos – inclusive pela constituição – para a liturgia do cargo de presidente que ora ocupa. O ato político em São Paulo da “motociata” intitulada “Acelera para Cristo”, em apoio a Bolsonaro e incentivado por ele, é mais uma evidência disso: i) Bolsonaristas exageraram hiperbolicalmente ao disseminarem a fake news do número de manifestantes, divulgando terem sido mais de 1,3 milhões[iv], quando as autoridades locais estimaram somente 12 mil[v]; ii) Seus seguidores espalharam outro boato de que o evento tinha entrado para o Guiness Book[vi]; iii) Bolsonaro mentiu no Twitter que teria sido o “maior passeio motociclístico do Brasil”[vii]; iv) Ele e vários manifestantes infringiram o Código Penal, ao taparem as placas de suas motos, crime que prevê pena de três a seis anos de reclusão[viii]; v) Apoiou uma aglomeração de milhares de pessoas sem uso de máscara (quando nos aproximamos da marca de 500 mil mortos por COVID no Brasil), o que gerou inclusive uma multa imputada pelas autoridades paulistas a ele, seu filho Eduardo e os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e de Infraestrutura, Tarcisio de Freitas[ix]; vi) O evento exigiu a participação de 1.433 policiais para manterem a segurança, custando R$ 1,2 milhões aos cofres públicos do Governo de São Paulo[x]. Em suma, um total desperdício de tempo e dinheiro que não propiciou qualquer benefício em prol dos paulistanos, muito pelo contrário, recrudesceu o risco de agravar ainda mais a contaminação do coronavírus na capital paulista.


Enquanto isso, Bolsonaro segue incólume, colecionando atos e omissões que comprometem a imagem do país no exterior, o funcionamento do Estado brasileiro, a performance da economia brasileira e de indicadores socioeconômicos e até mesmo a saúde e sobrevivência da população. Os pesos e contrapesos do nosso sistema democrático por vezes até contêm e limitam a estratégia bolsonarista de instaurar o caos e o medo no país, mas são insuficientes para acabar com o sentimento de impunidade e injustiça em boa parte do povo brasileiro.


Diante de tanta inépcia e inércia do governo Bolsonaro, seria mais do que natural que o presidente sofresse um processo de impeachment. As justificativas empregadas pelos presidentes da Câmara de Deputados desde 2019, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Arthur Lira (PP-RJ), não levarem a cabo nenhum dos atuais 121 pedidos protocolados (apenas seis que foram arquivados ou desconsiderados)[xi] se restringem a meros subterfúgios. Basicamente, condicionam à elevação dos percentuais de reprovação do presidente Bolsonaro e de seu governo nas pesquisas de popularidade e, consequentemente, ao “clima” para votação e aprovação da abertura desses processos pelos deputados na Câmara. Nada relacionado à legislação que embasa a maioria desses pedidos. A análise do seu mérito fica condicionada ao patamar de popularidade do presidente e à boa vontade dos nossos representantes no legislativo. É importante ressaltar que o índice de popularidade de Bolsonaro é distorcido justamente pelas fake news e teorias de conspiração, que desinformam milhões de brasileiros nas redes sociais. Assim, a julgar como foi conduzido o processo de impeachment da presidente Dilma, em que não houve sequer consenso no motivo apontado para abertura do processo, é bem provável que o sentimento de impunidade se alastre pelo menos até as próximas eleições presidenciais do ano que vem.


O considerável volume de pedidos de processo de impeachment, infelizmente, não é levado em conta pelos deputados da Câmara. Comparando com os demais presidentes desde a redemocratização, Bolsonaro em pouco mais de dois anos lidera no ranking de presidentes com o maior número de pedidos de impeachment durante o seu mandato (121), contra 24 de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), 37 de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010), 68 de Dilma Vana Rousseff (2011-2016) e 31 de Michel Temer (2016-2018)[xii]. Se dividirmos o número de processos por ano de mandato, Bolsonaro também supera os seus demais antecessores, com 40,3 pedidos por ano, ante 3 de FHC, 4,6 de Lula, 11,3 de Dilma e 10,3 de Temer.


Fonte: Publica[xiii].


Tais números recordes na quantidade de pedidos de impeachment, muito acima dos presidentes anteriores, são um dos demonstrativos da insatisfação da população com o desempenho de Bolsonaro e de seu governo, primordialmente de sua estratégia de disseminação de fake news e teorias da conspiração, parca produtividade na condução de sua gestão e diversas infrações e crimes de responsabilidade cometidos.


Todavia, o acúmulo de pedidos de impeachment e de milhares de notas de repúdio de autoridades e instituições se mostra insuficiente. Além dos supracitados membros do legislativo, existem muito mais cúmplices e comparsas de Bolsonaro, como sua equipe ministerial, aliados e ex-aliados políticos, algumas categorias (militares do alto escalão, certos canais da mídia, líderes evangélicos, milicianos, alguns empresários varejistas, etc.) e poder judiciário (principalmente o procurador-geral da República, Augusto Aras)[xiv]. Adicionalmente, como dito em artigo já citado, é digno de nota que “(...) não vimos qualquer iniciativa de projeto de lei visando corrigir as brechas legais e constitucionais por quais o presidente aproveita para adotar sua estratégia de diversionismo e omissão à violência, ao desmatamento e, mais recentemente, ao combate à pandemia da COVID-19 (...)”[xv], o que recai a responsabilidade não somente sobre a base aliada de Bolsonaro, como os deputados e senadores dos partidos do Centrão, mas sobretudo sobre a oposição ao governo, de quem mais se espera partir essas iniciativas.


À guisa de conclusão, pelos motivos arrazoados acima, já passou da hora de dirigirmos críticas, cobranças e responsabilização não mais apenas a Bolsonaro e sua equipe de asseclas, mas também aos supramencionados que permitem, seja intencionalmente, seja por incompetência ou inação, que ele permaneça no poder. Espera-se que a CPI da COVID possa fazer a devida correção desse rumo. O que não podemos é ter que suportar mais tempo a insustentável situação de desordem e regresso imputada ao país pelo atual governo. Desse jeito, só nos restará recorrer à maior autoridade divina, como na canção “Até Quando Esperar”, da banda Plebe Rude, em que se indaga: “Até quando esperar? A plebe ajoelhar esperando a ajuda de Deus”.


 

[i] https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2021/01/dois-anos-do-governo-bolsonaro-quem-sao-os-comparsas-e-cumplices-do-presidente-por-christian-velloso-kuhn/. [ii] EMPOLI, Giuliano Da. Os Engenheiros do Caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019. [iii] https://www.wecoletivo.com/post/economistas-do-caos-guedes-e-sua-equipe-econ%C3%B4mica-do-governo-bolsonaro. [iv] https://www.boatos.org/politica/motociata-bolsonaro-teve-1-324-523-motocicletas-bateu-recorde-no-guinness-book.html. [v] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/06/concentracao-para-motociata-com-bolsonaro-reune-milhares-em-sp-em-meio-a-avanco-da-pandemia.shtml. [vi] https://www.boatos.org/politica/motociata-bolsonaro-teve-1-324-523-motocicletas-bateu-recorde-no-guinness-book.html. [vii] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/06/4930843-maior-passeio-ciclistico-do-mundo-declara-bolsonaro-apos-acao-em-sp.html. [viii]https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/06/concentracao-para-motociata-com-bolsonaro-reune-milhares-em-sp-em-meio-a-avanco-da-pandemia.shtml. [ix] Idem. [x] Ibidem. [xi] Para conhecer cada processo e seus temas, ver em https://apublica.org/impeachment-bolsonaro/. [xii] https://apublica.org/impeachment-bolsonaro/quantos-pedidos-de-impeachment-os-ultimos-presidentes-receberam/. [xiii] Idem. [xiv] https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2021/01/dois-anos-do-governo-bolsonaro-quem-sao-os-comparsas-e-cumplices-do-presidente-por-christian-velloso-kuhn. [xv] Idem.

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