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  • Eduardo Teixeira

A Renda Básica e a Cidadania

Eduardo Teixeira

Advogado e PodCaster


Foi divulgada, recentemente, uma nota técnica de política econômica da USP, de co-autoria dos economistas Rodrigo Thoneto, Theo Ribas e Laura Carvalho, a respeito dos efeitos multiplicadores da tributação dos mais ricos (1%) com finalidade de transferir aos mais pobres, através de programas de proteção social. No estudo, ficou demonstrado que, no Brasil, a cada R$ 100,00 transferidos do 1% mais rico para os 30% mais pobres gera-se uma expansão de R$ 106,70 na economia. Em outras palavras, um programa que eleve a tributação do 1% mais rico para “transferir” maiores recursos aos 30% mais pobres, traria efeitos expressivos sobre o crescimento do PIB do país. [1]


O economista francês Thomas Piketty no seu livro "O Capital no Séc. XXI", explica que a renda de uma pessoa pode ser dividida em dois componentes: o primeiro componente é relacionado aos rendimentos derivados do trabalho, representado pelos salários, emolumentos, gratificações e etc., já o segundo componente é o rendimento do capital, como aluguéis, dividendos, juros, lucros, royalties e qualquer outros rendimentos obtidos do simples fato de ser dono do capital, sob forma de terras, imóveis, ativos financeiros e etc. Ocorre que, estruturalmente, o segundo componente (o capital) possui uma taxa de rentabilidade estável e maior do que o crescimento econômico em geral. Esse simples fato, implica que os detentores de capital enriquecem mais rapidamente do que o resto da população. Isso mostra, portanto, que a desigualdade social é um problema intrínseco ao capitalismo, sendo necessário, portanto, forças externas ao seu funcionamento para que os efeitos da desigualdade sejam minimizados. [2]


Dado o atual estágio de acumulação, inerente à própria dinâmica do capital, e o inevitável choque de automação, agravados pela depressão econômica produzida pela pandemia global, a ideia de um rendimento básico de cidadania tem voltado ao centro do debate mundial.


Originalmente pensada no séc. XV, a Renda Básica Universal (RBU) ou Renda Básica de Cidadania (RBC), é uma proposta defendida por diversos pensadores de variados espectros políticos. Trata-se de uma ideia relativamente simples: dar dinheiro para as pessoas. A renda básica é, como indica o nome, uma quantia paga em dinheiro a cada cidadão pertencente a uma nação ou região, com finalidade de assegurar a todos uma renda que seja capaz satisfazer necessidades básicas de um indivíduo: saúde, educação, alimentação e moradia. Ela também é universal, ou seja, ricos e pobres recebem esse valor. A RBU também tem intenção de ser incondicional, não exigindo nenhuma contrapartida para aquele que recebe o benefício.


Na prática, o caráter universal da proposta acaba sendo deixado de lado, e na maioria das experiências de renda básica ao redor do mundo, o programa é focado apenas nos extratos mais vulneráveis da sociedade (o que parece razoável). Nesse sentido, podemos citar o exemplo do Bolsa Família.


O Bolsa Família, que é um programa de transferência de renda, é considerado um passo importante e significativo em direção à Renda Básica. O programa criado por Fernando Henrique Cardoso e ampliado por Luís Inácio Lula da Silva, difere da renda básica pois exige diversos requisitos e contrapartidas para receber o benefício, como, por exemplo, a necessidade das crianças e adolescentes da família frequentarem e serem assíduos na escola.


Os defensores mais conservadores da renda básica a apresentam como pretexto para eliminar outros benefícios sociais, isto é, com uma renda básica garantida a todos, a consequência seria uma menor necessidade da utilização de serviços públicos, abrindo espaço para o fortalecimento do mercado e a utilização dos serviços privados por aqueles que antes não conseguiam custear tais serviços. Milton Friedman, economista de Chicago, por exemplo, defendia a ideia de Renda Básica em seu livro "Capitalismo e Liberdade" (1962), para evitar a solução burocrática e não transparente da pilha de benefícios sociais, que, segundo ele, criavam um espírito assistencialista. [3]


Quem está mais à esquerda do espectro político entende como uma alternativa viável para reduzir as desigualdades e garantir o acesso aos direitos básicos e fundamentais inerentes a todos.


No Brasil, essa ideia é muito defendida pelo ex-senador Eduardo Suplicy. Poucas pessoas recordam deste fato, mas depois de advogar pela renda básica no país durante anos, em 2004, Suplicy conseguiu aprovar a Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004, que instituiu a renda básica no Brasil.


Com a atual crise de pandemia e a recessão global se formando no horizonte, a Organização das Nações Unidas (ONU) já defende abertamente a adoção da Renda Básica para enfrentamento do vírus. [4] Nesse caminho, o Brasil, através do Congresso Nacional, aprovou em março de 2020 um pacote de ajuda no valor de R$ 600,00 para trabalhadores informais e microempreendedores individuais. Para mães que são chefes de família, o projeto garantiu duas cotas do auxílio, no valor total de R$1.200,00. O auxílio, entretanto, se encerrou em 2020, e seu retorno ainda é incerto.


Alguns países da Europa já propuseram implementar a renda básica para sua população. Um caso (2016) ocorreu na Suíça, onde o governo apresentou um projeto que previa estabelecer o pagamento de um salário de 2,5 mil francos suíços (cerca de R$ 9 mil) por adultos e 625 francos (R$ 2.350) por cada menor de 18 (dezoito) anos, independentemente se a pessoa trabalha ou não. [5]


A Finlândia foi o primeiro laboratório mundial da RBU. O país nórdico, através da sua previdência social, ofereceu 560 euros por mês (aproximadamente 2.370 reais) a um grupo de desempregados ao longo de 2017 e 2018, sem exigir contrapartida alguma. Alguns resultados dessa experiência são ambíguos e até questionáveis, mas ficou claro que os desempregados escolhidos para o programa tiveram melhoras significativas na autoestima, saúde e otimismo. [6]


A atual crise sanitária forçou a Argentina a adotar uma renda básica para as famílias de menor renda, durante toda a quarentena imposta pelo coronavírus. O valor é o equivalente a R$ 800,00 (10 mil pesos). Os Estados Unidos e o Reino Unido discutem ir pelo mesmo caminho.


No Brasil, já contando com a estrutura do cadastro único e com o mapeamento dos programas sociais, parece ser uma alternativa extremamente viável no enfrentamento dos efeitos econômicos da pandemia a ampliação dos benefícios, acompanhado de uma redução dos requisitos para o acesso ao Bolsa Família.

Programa de Garantia de Emprego


Uma discussão antiga no mundo das ciências sociais volta a ganhar força com a atual crise econômica: O programa de garantia de emprego (PGE). O economista americano Hyman Minsky propôs, em 1986, a implementação do programa chamado em inglês de "Employer of Last Resort (ELR)", traduzido em português para Empregador de Última Instância, ou, como será denominado neste trabalho, Programa de Garantia de Emprego (PGE).


Nas palavras da economista brasileira Zoraide Bezerra Gomes:


De modo geral, a proposta de Minsky (1986) – aperfeiçoada por Wray (2003) – é que o Estado passe a oferecer permanentemente um emprego básico para todos que estejam aptos e dispostos a trabalhar a um salário nominal pré-fixado. Esses trabalhadores ficariam disponíveis para serem contratados pelo setor privado ou mesmo pelo setor público convencional, formando um estoque regulador de empregos [i]

Além de combater e prometer eliminar completamente o desemprego involuntário da economia, o PGE funcionaria como um forte estabilizador fiscal automático, visto que, em tempos de recessão, os trabalhadores demitidos do setor privado migrariam para o programa, aumentando o gasto governamental automático e, portanto, amortecendo a recessão.


A mestre em Ciências Econômicas, Zoraide Bezerra, cita em sua obra outros benefícios do programa. O mais interessante deles, do ponto de vista da legislação trabalhista, é a possibilidade de uma grande redução da precariedade e um maior cumprimento da legislação trabalhista. Segundo a autora, os empregadores da iniciativa privada seriam obrigados a manter os salários acima do oferecido pelo PGE, além de respeitar os direitos básicos dos trabalhadores para não perderem seus empregados para o programa e/ou conseguirem atrair novos funcionários.


Longe de ser uma utopia econômica sem precedentes, a verdade é que a atuação do Estado como gerador de emprego direto nas fases recessivas dos ciclos econômicos não é novidade. Vários programas neste sentido foram implantados durante a grande crise de 1929, dentre eles o conhecido New Deal nos Estados Unidos. Entretanto, diferente do que foi proposto no passado, o PGE não objetiva combater o desemprego apenas em momentos de crise e recessão, mas sim ser permanente.


O PGE ganhou notoriedade recentemente no Brasil. O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) apresentou o projeto de lei 5491/2019 que, se aprovado, institui o Fundo Nacional de Garantia do Emprego – FNGE.


Dentre os críticos do PGE, a viabilidade econômica para financiar o programa aparece com frequência. Muitos economistas dizem que o custo líquido de um programa de garantia de emprego, entre 2% e 3% do PIB é insustentável. Entretanto, com o avanço da teoria macroeconômica e com o atual entendimento de funcionamento das finanças dos estados modernos, essas críticas vêm sendo cada vez menos frequentes. Além disso, uma pergunta muito interessante deve ser feita: qual o custo do desemprego?


Não à toa, crises econômicas também são chamadas de “depressões”. A deterioração da saúde mental de milhões de pessoas em situação de desemprego foi constatada na pesquisa “Impactos do Desemprego: saúde, relacionamentos e estado emocional”, conduzida pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em 2017.


De acordo com o estudo, 59% dos entrevistados se sentiam deprimidos ou desanimados, 63% estavam estressados ou nervosos e 62% diziam ter estado angustiados. Também foram citados sentimentos de privação de consumo que tinha anteriormente (75%), ansiedade (70%) e insegurança de não conseguir um novo emprego (68%).[ii]


O desemprego gera custos irreversíveis. Além da deterioração da saúde mental de milhões de pessoas, há inúmeros estudos que o relacionam com o aumento da violência urbana, desperdício do bônus demográfico e desestruturação das famílias.


A atual crise sanitária do coronavírus fez a economia global desacelerar drasticamente, assim, espera-se uma explosão do número de desempregados no mundo. O Programa de Garantia de Emprego pode ser uma alternativa viável, e ganha força em um momento onde as velhas ideias já parecem insuficientes.


 

REFERÊNCIAS

[1] https://madeusp.com.br/publicacoes/artigos/como-a-redistribuicao-de-renda-pode-ajudar-na-recuperacao-da-economia-os-efeitos-multiplicadores-da-tributacao-dos-mais-ricos-para-transferencia-aos-mais-pobres/

[2] PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.

[3] SUPLICY, Eduardo Matarazzo; BUARQUE, Cristovam. Garantia de renda mínima para erradicar a pobreza: o debate e a experiência brasileiros. Dossiê Direitos Humanos. Estudos Avançados, v. 11 n. 30, São Paulo: mai./ago. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141997000200007>. Acesso em: 10 out. 2019. [s.p.]

[4] RELATOR da ONU pede que países adotem renda básica universal diante da pandemia. ONU Brasil. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/relator-da-onu-pede-que-paises-adotem-renda- basica-universal-diante-da-pandemia/amp/>.

[4] ELEITORES suíços rejeitam projeto de renda mínima para toda a população. O Globo. 05 jun. 2016. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/eleitores-suicos-rejeitam-projeto-de-renda- minima-para-toda-populacao-19446675

[5] NAGESH, Ashitha. Desempregados, mas felizes: as conclusões da Finlândia após projeto de renda mínima. BBC Brasil. 12 fev. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral- 47196165>. Acesso em: 10 out. 2019.


[6] GOMES, Zoraide Bezerra. Desemprego zero no Brasil: uma proposta de atuação do Estado como empregador de última instância. Brasil:Amazon Service, 2018. Edição Kindle


___________________________________

[i] GOMES, Zoraide Bezerra. Desemprego zero no Brasil: uma proposta de atuação do Estado como empregador de última instância. Brasil:Amazon Service, 2018. Edição Kindle. p.32. [ii] DEPRESSÃO e desânimo atingem 59% dos desempregados, diz pesquisa. Portal G1. 18 mar. 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/depressao-edesanimo- atingem-59-dos-desempregados-diz-pesquisa.ghtml>

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