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  • Christian Velloso Kuhn

ALÉM DO TRIPÉ MACROECONÔMICO: PELA IMPLANTAÇÃO DE UM PROJETO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO


 

Christian Velloso Kuhn

Economista e professor do Instituto PROFECOM

 

Ainda no Governo Itamar Franco, quando já haviam fracassado diversos planos de estabilização no período 1986-1992 (Cruzado I e II, Bresser, Feijão-Com-Arroz, Verão, Collor I e II), fora anunciado o Plano Real em 1993, que se subdividia em três fases: i) Plano de Ação Imediata (PAI), ii) Unidade Real de Valor (URV) e iii) Nova Moeda (Real), em substituição ao Cruzeiro Real.


A primeira fase (PAI), ainda em 1993, foi basicamente um conjunto de medidas adotadas visando o reequilíbrio fiscal, como cortes de gastos, recuperação de receita, reestruturação dos bancos federais e estaduais e privatizações. Essa fase visava reduzir a demanda por moeda, como emissão de títulos públicos, auxiliando o fortalecimento da nova moeda a ser implantada na fase três.


Por sua vez, a URV era um mecanismo utilizado para cumprir a função de unidade de conta da moeda, que já estava fortemente comprometida com a hiperinflação. Os indivíduos, por muitas vezes, antes da URV, costumavam a converter o Cruzeiro Real (CR$) em Dólar (US$) para terem uma noção do preço relativo de bens e serviços domésticos. Com a criação da URV, essa prática foi abandonada, conferindo maior segurança aos consumidores nas suas aquisições de bens e serviços finais no mercado nacional.


A URV era a cotação do câmbio CR$/US$, que sofria minidesvalorizações diárias. Como todos os preços eram convertidos em URV, O governo instituiu como meta cambial atingir o nível de CR$ 2.750,00/US$ 1,00, para ser substituída pela nova moeda a ser implantada, o Real.


Completando a terceira e última fase do Plano Real, culminando o programa de estabilização, a meta acima foi atingida em 1º de julho de 1994, com a troca de toda a base monetária do país conforme a paridade supramencionada em relação ao dólar. No primeiro semestre do ano, a inflação (IPCA) acumulada no período foi de 763,12%, enquanto no segundo trimestre, a inflação oscilou de 42,68% a 47,43% ao mês, o IPCA caiu para 6,84% em julho e 1,86% em agosto, mantendo-se oscilando nesse patamar até dezembro de 1995.


No período que iniciou a circulação do Real como moeda nacional, até o final do primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), houve relativo sucesso no combate à inflação. Para manter a moeda forte, adotou-se um regime cambial fixo, e posteriormente de mini desvalorizações cambiais, ambos lhe conferindo maior sustentação. Contudo, pode-se ressaltar duas questões relevantes, uma de ordem estrutural, outra conjuntural ao Plano Real.


Se por um lado, a inflação se mostrou contida, por outro, o Plano Real se demonstrou um tratamento com diversos efeitos colaterais. A manutenção de uma moeda forte e valorizada implicou o barateamento das importações, viagens ao exterior e outras transações que pressionaram pela saída de capital externo do país. Isso prejudicou a produção doméstica, sobretudo a industrial, tanto no mercado interno, dadas as dificuldades de concorrência com produtos importados, mas também através do desestímulo às nossas exportações. Com isso, recrudesceu o movimento de desnacionalização do setor produtivo brasileiro, que mesmo atraindo a entrada de capital estrangeiro no país, não refletiu em aumento substantivo da capacidade instalada.


Quanto à questão conjuntural, o cenário externo foi por diversas vezes extremamente adverso para a sustentação de um plano de estabilização. Ocorreram pelos menos três crises financeiras, no México (1994), Tailândia (1997) e Rússia (1998), que surtiram efeitos especulativos sobre o Real. Visando manter a paridade cambial em relação ao dólar, a saída nas três ocasiões foi relativamente a mesma: o governo gastou reservas cambiais e majorou a taxa de juros para controlar a saída de capital.


Reiteradas vezes foram o uso desse expediente, que ao final de 1998, o regime cambial que dava garantia e credibilidade ao Real demonstrava sinais de deterioração e forte risco de colapso. Em virtude das eleições presidenciais que se avizinhavam em outubro daquele ano, em que o presidente FHC concorreu à primeira tentativa de reeleição, permitida por emenda constitucional no ano anterior, o governo conteve a crise e postergou o pedido de auxílio via empréstimo junto ao FMI, em claro ciclo político-eleitoral, concedido e anunciado somente em dezembro.


Após o fechamento do acordo, no mês seguinte, o Real sofreu a sua primeira macrodesvalorização, quando passou de R$ 1,12/US$ para R$ 1,98/US$, algo em torno de 77% somente em janeiro. Posteriormente, em março daquele ano, atingiu seu pico de R$ 2,17/US$, dobrando de patamar em pouco mais de dois meses. Com esse cenário, o então Ministro da Fazenda, Pedro Malan, destituiu o economista Francisco Lopes do Banco Central, substituindo pelo também economista Armínio Fraga, que até então trabalhava para o megaespeculador do mercado financeiro, George Soros.


Com a chegada de Armínio Fraga no Banco Central, culminou na mudança na condução da política econômica do governo, constituindo o que se convencionou desde então chamar de tripé macroeconômico: 1) Meta Fiscal (Superávit Primário); 2) Metas de Inflação; 3) Câmbio Flutuante.


A Meta Fiscal, também denominada de Meta de Superávit Primário, se relaciona mais diretamente com a política fiscal, traduzida na necessidade de manter as contas do governo equilibradas, obtendo um patamar de receita que supere as despesas governamentais. Já as Metas de Inflação estão mais atreladas à política monetária, em que a taxa de juros se torna o principal instrumento para perseguir níveis de inflação, podendo oscilar para mais (teto) ou menos (piso) que o centro da meta. Finalmente, o Câmbio Flutuante é a mudança de regime cambial, permitindo que a cotação do real frente a outras moedas possa oscilar sem a interferência ostensiva do governo, seja via aquisição de moeda estrangeira ou gasto das reservas cambiais, seja via taxa de juros como meio de instrumento de política econômica para manter uma paridade em relação ao dólar e conter a desvalorização da moeda nacional.


Com a adoção do tripé supracitado, o mercado financeiro avalizou a credibilidade da política econômica do governo federal, contudo, condicionou-a a sua manutenção intacta, tornando-se o principal parâmetro usado por agentes desse mercado para balizar suas decisões de investimento. Por sua vez, aceitando tal condicionante, o governo brasileiro praticamente perdeu a sua autonomia para promover os ajustes que se fizessem necessários para flexibilizar ou mesmo substituir a diretriz do uso de instrumentos de política econômica. Mais do que isso, a política econômica instrumental, de curto prazo, foi promovida de coadjuvante que fora até o final dos anos 1970, para mais relevante do que qualquer plano ou projeto de crescimento ou desenvolvimento econômico, de longo prazo.


Em que pesem algumas tentativas de iniciativas de planos e programas visando a expansão da atividade econômica ou o desenvolvimento socioeconômico, tais como política setoriais de fomento à indústria e do comércio exterior do governo FHC, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE (2004), o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC (2007), a Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP (2008), ambos no governo Lula, e o Plano Brasil Maior (2011), no governo Dilma, nenhuma chegou a lograr resultados satisfatórios que compensassem a trajetória de stop-and-go do PIB brasileiro desde o início dos anos 1980, com o fim do Processo de Substituição de Importações (PSI) iniciado nos anos 1930.


Mais do que em outros de seus antecessores, o Governo Bolsonaro é um exemplo notório e escrachado de cooptação de agentes que atuam em cargos diretivos do executivo, sobretudo na área econômica, a serviço do mercado financeiro. Todas as iniciativas liberalizantes implantadas e defendidas por Paulo Guedes e companhia vão nesse sentido, chegando ao absurdo de até mesmo o próprio ministro, como também o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estarem entre os principais beneficiados, obtendo ganhos milionários. O resultado dessa politicagem é por demais conhecido, recaindo com forte incerteza e instabilidade sobre os níveis de atividade econômica, preços, emprego, renda e demais variáveis macroeconômicas, sociais e ambientais (endividamento, miséria, pobreza, fome, desmatamento, queimadas, poluição, etc.).


É por isso que, às vésperas das eleições presidenciais do ano que vem, devemos exaltar aqueles candidatos que deliberadamente criticam o atual arranjo da política econômica curtoprazista adotada pelo governo brasileiro nos últimos 20 anos, e que possuam credibilidade para implantarem um genuíno e sustentável Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND), algo que jamais foi tentado com o esforço requerido por nenhum dos governos que passaram desde a redemocratização. A política econômica instrumental, hoje representada pelo tripé macroeconômico, precisa estar a serviço e suportando um Plano ou Projeto Nacional de Desenvolvimento, e não o contrário. Precisamos de um governo que ponha a política econômica de curto prazo no seu devido lugar. Dadas as mazelas enfrentadas pelos brasileiros, agravadas sobretudo nos últimos cinco anos, urge que seja através de um amplo e robusto Projeto Nacional, devendo nos devolver a esperança de um país melhor e rumo ao desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável.

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