- Bryan da Fonseca Araújo
As forças humilhadas
Atualizado: 24 de jul. de 2021
Por Bryan da Fonseca Araújo
Advogado, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Segurança pública.
Mestrando em Ciência Política (UFPB).
Poucas vezes, na verdade ousaria dizer que nunca antes, se viu um governo que submetesse as Forças Armadas a tamanha humilhação quanto o governo de Jair Bolsonaro.
Era obvio que algo assim deveria ser esperado. A partir do momento em que se permitiu que um político de carreira se utilizasse da imagem das Forças Armadas como forma de autopromoção, buscando tomar para si parte do prestigio que o Exército possui com parcela significativa da sociedade, abriu-se a porteira para a submissão vexatória.
A estratégia era clara, mesmo assim, permitiu-se que fosse levada a cabo, o resultado não poderia ser outro, a associação da entidade com o fracasso de um governo que naufraga na montanha de cadáveres que ajudou a produzir e com o desastre econômico e humanitário que se segue.
Antes de mais nada, vale salientar que a separação dos militares da vida política, algo difícil de se alcançar historicamente no Brasil, é uma bandeira que se estende da esquerda à direita. O cientista político conservador norte americano Samuel P. Huntington, lançou em 1957 o livro “O soldado e o Estado”, onde trata dentre outros assuntos, dos princípios que devem reger a relação entre os militares e o Estado, e como estes devem ser uma força a parte dos governos civis.
A separação entre as Forças Armadas e a administração política é preceito fundamental em um regime democrático, principalmente em um país cuja a história é repleta de ações militares de tomada de poder.
A partir do momento em que o Exército brasileiro permitiu que oficiais da ativa, servissem como membros de um governo civil, abriu a possibilidade de se colocar em situações vexatórias que comprometeriam a reputação da entidade e desmoralizações que podem gerar a perda da hierarquia no interior de suas fileiras.
Justamente por querer se utilizar ainda mais das forças armadas para ganhos pessoais, Bolsonaro criou uma crise com o então alto comando do Exército, Aeronáutica e Marinha que conjuntamente entregaram seus cargos em desaprovação a substituição do General Edson Pujol do Exército, algo até então nunca visto em nossa República.
Mais recentemente, o General da ativa e ex-ministro da saúde, Eduardo Pazuello, participou de um ato político em apoio ao Presidente, no qual, discursou para o público presente, em uma clara violação do estatuto das Forças Armadas que proíbem a participação de militares da ativa em manifestações políticas.
O próprio Vice-Presidente da República, o General Hamilton Mourão, após o acontecimento, deixou claro que Pazuello havia cometido um erro e sabia disso.
Mesmo assim, o Exército decidiu pela não punição do seu General, alegando “não restar caracterizada a prática de transgressão disciplinar”, e seguindo pelo arquivamento do processo disciplinar.
Tal decisão gera um receio dentro do próprio Exército da quebra do poder de hierarquia, onde demais patentes, podem se sentir confortáveis de fazer o mesmo e manifestações políticas dentro dos quarteis tornarem-se cada vez mais frequentes.
A percepção que se cria é a de que tal decisão só aconteceu por medo da desautorização expressa do chefe em exercício das Forças Armadas em caso de punição do seu ex-ministro, o que terminaria por desmoralizar de vez o alto comando.
Já havia escrito aqui sobre os planos do Presidente para as polícias militares, e como pretende se utilizar da mesma para possíveis levantes nos estados, aparentemente tal tática de aparelhamento se estende a todas entidades militares do país.
Bolsonaro depende do caos para que seu discurso faça sentido, ele aposta na desordem, como demonstra seu histórico no próprio Exército, de onde foi preso por transgressão grave, acusado de “ter ferido a ética, gerando clima de inquietação no âmbito da organização militar”, além de ter sido acusado de planejar atentados a bomba em quarteis para pressionar o alto comando por melhores salários.
Resta saber se as instituições e a sociedade organizada permitirão que tal aparelhamento seja posto em pratica e que a desordem almejada por Bolsonaro se concretize, ou se cumprirão o seu dever, pondo fim a esta escalda autoritária.