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  • Christian Velloso Kuhn

Bidenomics e a viabilidade de um plano de desenvolvimento para o Brasil

O início da gestão de Biden nos EUA tem sido de causar inveja a muitos brasileiros. Além do forte ritmo de vacinação desde o início de seu mandato, enquanto o governo Bolsonaro oferece aos brasileiros desempregados e desamparados um auxílio emergencial irrisório[i], Biden apresentou no final do mês passado mais um pacote de medidas de estímulo à economia norte-americana se recuperar da recessão provocada com a pandemia de COVID-19 que assola boa parte do mundo. Se contarmos o primeiro pacote de Trump logo no início da crise sanitária em março de 2020, na ordem de US$ 2 trilhões, mais a segunda iniciativa de após as eleições nos EUA de novembro do ano passado, com a aprovação de US$ 915 bilhões, desde a assunção de Biden à presidência, temos o terceiro e quarto pacotes de incentivos à economia estadunidense neste ano: um de US$ 1,9 trilhões assinado em 11 de março[ii] e outro de US$ 2 trilhões de investimentos de infraestrutura, apresentado em 31 de março[iii].


O terceiro pacote é uma reação à queda de 3,5% do PIB norte-americano em 2020, embora no primeiro trimestre do presente ano, venha demonstrando alguns sinais de recuperação, como nas vendas do varejo, investimentos e a redução da taxa de desemprego. São seis dimensões: i) Transferência de renda; ii) Auxílio aos desempregados (elevação do valor do seguro-desemprego); iii) Incentivos fiscais (ampliação de crédito tributário para famílias de baixa renda e com filhos até 17 anos); iv) Transferências governamentais (repasse a governos locais para auxílio ao combate da pandemia e obra de infraestrutura); v) Recursos às escolas (adequações para a reabertura das salas de aula, atendendo as normas de segurança sanitária); vi) Combate à pandemia (testes em massa, rastreamento de contágio, equipamentos médicos, vacinas, etc.).


Esse pacote sofreu forte oposição dos republicanos, alegando serem valores elevados de gastos públicos, aumentando consideravelmente o peso do Estado na economia e, haja vista a recuperação da atividade econômica no primeiro trimestre, correria riscos inflacionários. Já pelo lado democrata, a expectativa é de que além de acelerar a retomada econômica, surta efeitos sociais positivos entre a população de baixa renda.


Já o quarto pacote recentemente anunciado de US$ 2 trilhões de investimentos em infraestrutura em 8 anos tem o foco em fortalecer a indústria norte-americana, investimentos em pesquisa e criação de empregos para a classe média. O plano é dividido em investimentos no setor de transporte, indústria manufatureira e telecomunicações (acesso à internet de banda larga). O projeto também conta com medidas visando combater a mudança climática, com inversões na construção de 500 mil estações de reabastecimento de veículos elétricos, substituindo paulatinamente a frota do governo federal, contribuindo para redução das emissões de carbono.


Para financiar esse novo pacote, o projeto de Biden prevê uma reforma tributária que arrecade US$ 2 trilhões em 15 anos. Dentre as medidas, está a elevação da alíquota do imposto de renda para pessoa jurídica de 21% para 28% e o aumento para 21% do imposto mínimo sobre o faturamento de empresas norte-americanas fora do país. Além disso, Biden garantiu que aqueles que recebem menos de US$ 400 mil anuais não serão impactados pela majoração de impostos, contudo, o mesmo não pode ser dito para a parcela mais rica da população, que deverá sofrer um reajuste das taxas pagas atualmente[iv]. A ideia é quase dobrar a taxa paga sobre ganhos de capital para quem recebe mais de US$ 1 milhão anuais. A Casa Branca avalia um potencial de arrecadação de mais de US$ 1 trilhão, que serão usados para financiar medidas de investimentos em educação e assistência à infância. Com isso, reverterá parcialmente os cortes de impostos promovidos por Trump em 2017. Entre as medidas, destaca-se a elevação da alíquota máxima do imposto de renda de 37% para 39,6%, e a incidência de imposto de renda sobre ganhos de capital e pagamentos de dividendos para aqueles que ganham mais de US$ 1 milhão anual. Desse modo, o total de impostos sobre ganhos de capital se elevará para 43,4% para os mais ricos dos EUA.


Já aqui por essas bandas, os economistas brasileiros se dividem entre aqueles mais progressistas e desenvolvimentistas, favoráveis às medidas de Biden, e que sustentam ser viável adequá-las para o Brasil, e aos fiscalistas que argumentam similarmente aos republicanos, apontando as consequências da alta nos gastos sobre a dívida pública, que já se encontra em patamar elevado, bem como a iminência de desrespeitar o Teto dos Gastos Públicos.


Entre os economistas do primeiro grupo, destaca-se os artigos de Laura Carvalho[v] e Mônica de Bolle[vi]. Carvalho menciona em sua coluna uma frase de Martin Sandbu em seu artigo no Financial Times: “um novo Consenso de Washington nasceu”. Para a autora, o primeiro pacote de Biden é voltado mais para atendimento de demandas prementes atreladas à pandemia, ao passo que o segundo possui um horizonte de longo prazo, com forte potencial de geração de emprego e renda, ao mesmo tempo em que combate tanto a desigualdade quanto as mudanças climáticas. De acordo com Laura, essa visão econômica que fundamenta os planos governamentais dos EUA já vem sendo chamada de Bidenomics, em contraposição à Reagonomics, orientação ortodoxa do governo norte-americano na primeira metade dos anos 1980. Estaria sustentada em alguns pilares, tais como investimentos e gastos do governo, política fiscal como “motor de crescimento”, menor preocupação com consequências inflacionárias e sobreaquecimento da atividade econômica e política fiscal anticíclica, com o governo gastando no curto prazo para arrecadar no médio e longo prazo. Finalmente, para Carvalho, a despeito de não contarmos com o mesmo grau de autonomia da política monetária e estabilidade cambial, isso não impede que o governo brasileiro busque ações como “maiores gastos sociais, investimentos em infraestrutura verde e maiores tributos para o topo da pirâmide”, com grande potencial de geração de emprego e renda, dadas as “nossas enormes carências em infraestrutura e ao alto desemprego e informalidade no mercado de trabalho”. Conclui a economista que “o nosso contexto político é o que impede a ‘Bidenomics’ de tornar-se uma inspiração para o enfrentamento de nossa grave crise econômica”.


Já para Mônica de Bolle, alguns brasileiros possuem uma visão distorcida sobre o papel do Estado no desenvolvimento dos EUA, geralmente creditando maior parte ao setor privado, mostrando desconhecimento de sua história. Essa miopia apenas enxerga os aspectos negativos de um Estado indutor e protagonista, focando somente nas suas ineficiências, que de fato existem. A economista relata a industrialização norte-americana desde a segunda metade do século XIX, com a formação dos “grandes conglomerados industriais” graças “ao Estado indutor do desenvolvimento”. De Bolle ressalta bem que o Estado estadunidense também fora relevante no enfrentamento da Grande Depressão em 1934, durante a Guerra Fria, na concepção da internet nos anos 1980 e 1990 e mesmo para a biotecnologia hoje necessária para a fabricação de vacinas para COVID-19 pela iniciativa privada. Segundo a autora, “é nesse contexto que se insere o Plano Biden”, e os “liberais à brasileira” terão que se resignar ao seu “desenvolvimentismo”, plenamente adequado para a conjuntura vigente.


Por outro lado, paladinos da ortodoxia econômica, como Marcos Lisboa[vii] e Marcus Mendes[viii], preferem apontar obstáculos para a aplicação do Plano Biden ao Brasil. Lisboa cita o aumento de nossa carga tributária até 2007 e a elevação dos gastos públicos como empecilhos para a adoção de um plano similar, em virtude da captura desses recursos para financiar a própria máquina estatal, resultando em poucos benefícios à população para combater as nossas desigualdades. Já Mendes indica a falta de consenso do Plano de Biden tanto no Congresso como entre economistas dos EUA. Sobre o Brasil, menciona o histórico de hiperinflação e moratória da dívida como fatores que dificultam a adequação desse plano ao país, bem como nossa estagnação e juros altos, sem falar na nossa carga tributária, que para ele não deixaria margem para subir impostos sobre capital, por exemplo.


Esse dissenso entre economistas brasileiros é histórico, mas como bem argumenta Kupfer[ix], o “fiscalismo começa a sair de moda”. Isso porque o “Bidenomics em construção significa uma pá de cal nas políticas econômicas inspiradas na teoria da contração expansionista”. Por mais pertinente que seja elevar a eficiência do Estado brasileiro, o contexto de recessão e desemprego exige maior urgência das medidas que ofereçam maiores oportunidades de emprego e renda, elevando a produção e tecnologia e permitam elevar a arrecadação tributária dos governos para financiarem programas de estímulo econômico e combate às desigualdades sociais enquanto perdurar o combate à pandemia. Ajustes fiscais requerem serem promovidos em contextos de retomada e expansão econômica, mediante políticas anticíclicas como bem apresentava Keynes em sua Teoria Geral de 1936. O Bidenomics se importa menos com as contas públicas e mais com o bem-estar da população norte-americana. Exatamente a mesma necessidade urgente demonstrada pelo nosso desesperançado povo brasileiro.

 

Referências [i] Analisado na coluna de Economia do We Coletivo em 16/03/2021: https://www.wecoletivo.com/post/pec-emergencial-e-a-estadofobia-do-governo-bolsonaro. [ii] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/03/12/O-3%C2%BA-pacote-de-est%C3%ADmulos-dos-EUA.-E-a-vit%C3%B3ria-pol%C3%ADtica-de-Biden. [iii] https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/03/31/biden-revela-plano-para-investir-cerca-de-us-2-trilhoes-em-infraestrutura.ghtml. [iv] https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/04/23/biden-prepara-pacote-de-alta-de-impostos-para-ricos.ghtml. [v] https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2021/%E2%80%98Bidenomics%E2%80%99-o-novo-paradigma-econ%C3%B4mico-dos-EUA-se-aplica-ao-Brasil. [vi] https://epoca.globo.com/monica-de-bolle/o-plano-biden-1-24973067. [vii] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-lisboa/2021/04/tudo-vai-ser-diferente.shtml. [viii] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2021/04/plano-biden-no-brasil.shtml. [ix] https://www.poder360.com.br/opiniao/economia/plano-biden-expoe-atraso-do-brasil-e-aumenta-risco-de-isolamento-explica-jose-paulo-kupfer/.

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