- Jean Michel Daros Hack
Bolsonaro, Lula e o acirramento político
Jean Michel Daros Hack
Bacharel em Ciência Política e Sociologia –
Sociedade, Estado e Política na América Latina pela UNILA
Pesquisador do Grupo de Estudos Marxismo e Política (GEMP)
Estudante de Direito
Tão logo foi feita justiça ao ex-presidente Lula, setores da esquerda correram para os braços do Partido dos Trabalhadores em um sinal de apoio incondicional à candidatura de uma das maiores lideranças do campo popular brasileiro. Uma verdadeira caricatura do beija-mão imperial. A bem da verdade, sabemos que é o jogo político de bastidores o que vai definir o destino de Lula no judiciário. Pelo rito judicial, o ex-presidente deveria passar agora por um julgamento justo e imparcial, longe da Lava Jato. Mas para a imprensa e políticos, que fixam os olhos em 2022, Lula já é candidato.
Com a euforia generalizada e o messianismo aflorado, criou-se uma ilusão de que a presença de Lula geraria efeitos positivos até no comportamento de Bolsonaro. Mas vejam, Lula não fará Bolsonaro mudar. O globo na mesa, a máscara e os discursos recentes pró-vacina do Presidente, aludem diretamente ao discurso do ex-presidente no Sindicato dos Metalúrgicos. Qual seria a intenção? Não restam dúvidas que a intenção é elevar o tom e requentar um velho discurso. Dar ainda mais repercussão ao discurso do líder petista, ocupar as mídias, ocultar tanto quanto puder a tragédia social, econômica e, claro, o morticínio da pandemia. Bolsonaro sabe que só chega ao segundo turno se antagonizar (mais uma vez) com o PT. Essa falsa polarização (falsa, porque Lula e Bolsonaro são substancialmente distintos, não existe equivalência), vai arrastar o Brasil para outra eleição pautada pelo medo e pelo ódio. A tendência é uma escalada dessa “polarização”.
Por outro lado, os discursos recentes de Bolsonaro voltam a flertar com o espírito de março de 2020, quando das manifestações negacionistas e pró-golpe que ocorreram Brasil afora. E de fato, o desgaste do atual governo e o “surgimento” do fator Lula deixam Bolsonaro com cada vez menos opções. Não que o seu repertório fosse capaz de fugir disso, mas a tendência é buscar maior apoio nas Forças Armadas e estressar ainda mais as instituições. Esse desenho, para termos a dimensão da coisa, fica evidente com os dados do levantamento de julho do ano passado, em que o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou 6.157 militares em cargos civis do Governo Federal. Maior número desde a redemocratização. Soma-se a essa forte presença as constantes cartas (e “twittes”) de militares de alta patente e dos Clubes Militares com a finalidade clara de constranger o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, denunciando, assim, um grau considerável de comprometimento entre os militares e o bolsonarismo.
A crise e os seus reflexos práticos, como a inflação e a corrosão do poder de compra das famílias, também colocam o atual governo na berlinda. A falta de efetividade das medidas neoliberais de Paulo Guedes e o crescente tensionamento com Governadores e Prefeitos - a quem Bolsonaro deve atribuir a responsabilidade pela crise devido às medidas restritivas - também tendem a encurralar ainda mais o governo. Não resta alternativa ao Presidente senão solidificar a aliança com os militares (e milicianos), com as frações de classe que se beneficiam da atual política econômica e, claro, com o lumpen, com parasitas do Estado, como Roberto Jefferson do PTB e o que tem de pior na massa amorfa de políticos profissionais denominado pela imprensa de “Centrão”.
Assim, nesse contexto, ao mesmo tempo em que ganha um adversário de peso, Bolsonaro ganha um cabo eleitoral formidável. A retórica da militarização e do golpe, assim como o tom do antipetismo dependerão do alcance do capital político de Lula. Isso não significa que o ex-presidente seja responsável pelo obscurantismo bolsonarista. Mas significa que, a justa volta ao jogo do grande “coringa” da esquerda liberal, tende a agravar ainda mais a tensão. As fissuras no bloco que está no poder desde o golpe de 2016 estão cada vez mais evidentes. Na corrida eleitoral – ao menos nesse primeiro momento – o medo e o ódio devem, mais uma vez, tomar lugar central na cena política, deixando debate sobre o Brasil profundo para segundo plano, ocultando a normalização da agenda neoliberal, seja pela esquerda, seja pela direita.