- Christian Velloso Kuhn
CICLO POLÍTICO E ELEIÇÕES: O CENÁRIO POLÍTICO E ECONÔMICO PARA O BRASIL EM 2022
Por Christian Velloso Kuhn
Economista e professor do Instituto PROFECOM
Após um ano de forte recessão (queda de -4,4% do PIB) com o início da pandemia do coronavírus (COVID-19) em meados de março de 2020, o Brasil deve ao menos recuperar a retração em 2021. Segundo o último Boletim Focus de 2021 (31/12/2021), a estimativa é de um crescimento de 4,5% para o PIB do ano passado.
Acompanhando o crescimento do PIB, tivemos uma escalada inflacionária, com o IPCA atingindo o seu maior índice desde 2015 (10,06%), o terceiro maior nível dos últimos 20 anos. Como a meta central da inflação era de 3,75%, com margem de tolerância de 1,5 p.p., acabou superando em mais de quatro desvios. Além do impacto da depreciação cambial, o aumento dos preços das commodities no mercado internacional foi outro fator impactante para essa elevação da inflação. Para conter a desvalorização do Real e a pressão inflacionária, o governo optou por elevar a taxa de juros SELIC, que começou em 2021 em 2% a.a., e encerrou o ano em 9,25%, uma acentuada elevação de 7,25 p.p.
Os analistas de mercado, no último Boletim Focus (07/01/2022), preveem uma taxa SELIC de dois dígitos para o presente ano, em torno de 11,75%. A expectativa é de que o IPCA recue para 5,03%, ligeiramente acima do teto da meta de inflação desse ano - o centro da meta de 2022 cairá para 3,5%, com mesma margem de tolerância de 1,5 p.p. De outra sorte, a previsão para o PIB é de um parco crescimento de 0,28% em 2022, previsão essa que vem caindo semanalmente nos últimos boletins do Banco Central. Por conta disso, a taxa de desemprego deve se manter elevada, em torno de 12%.
Com relação às contas públicas, a Dívida Bruta atingiu um pico de 88,99% em outubro de 2020, e retraiu para 81,12% em novembro/2021, uma diminuição de 7,87 p.p. Enquanto isso, após a Dívida Líquida do Setor Público encerrar o ano de 2020 em 62,54% sobre o PIB, recuou em torno de 5 p.p., e deve fechar em 57%. Todavia, o mercado estima para 2022 que se eleve para patamar muito próximo do registrado no ano retrasado, 62,48%.
Diante desse cenário, o governo federal enfrentará um grande desafio de obter equilíbrio macroeconômico. Esse desafio é maior em virtude do evento mais relevante desse ano, as eleições gerais. Governos que buscam eleger sucessores, ou reelegerem os atuais mandatários (caso do governo federal), podem ser tentados, por vezes, a manipular os instrumentos de política macroeconômica (monetária, fiscal, cambial, etc.) de modo a gerar resultados econômicos mais favoráveis antes das eleições, e se vitoriosos, promover ajustes alguns meses mais adiante no próximo mandato. A literatura econômica convencionou chamar essa prática de Ciclo Político (KUHN, 2020).
Caso o governo logre reduzir a inflação nesse ano, para construir um cenário econômico favorável às pretensões de reeleição do presidente, precisará estimular ao mesmo tempo o crescimento econômico, sobretudo para reduzir o desemprego. Como o Banco Central tende a elevar a taxa de juros até que a inflação fique próxima da meta, restará o uso das políticas fiscal, cambial e de rendas. A política fiscal possui limitações para estimular a economia, como a lei de responsabilidade fiscal e o teto dos gastos públicos. Quanto à política cambial, exigiria do governo federal gastar mais reservas para diminuir a cotação do dólar. Ocorre que desde o pico do nível de reservas cambiais obtido em 25/06/2019 (US$ 390,5 bilhões), o volume já sofreu uma diminuição de US$ 30,9 bilhões, chegando atualmente a US$ 359,6 bilhões em 10/01/2022, restringindo a capacidade do governo de manter certo patamar de valorização cambial. Finalmente, a política de rendas deve se dar por meio da criação do Auxílio Brasil, criado em substituição ao Bolsa Família, destinado a 17,5 milhões de famílias atendidas recebendo pelo menos R$ 400,00 por mês. Muito provavelmente esse programa seja utilizado para fazer propaganda do governo e tende a ser pauta dos debates eleitorais para o presente ano.
Além da atenção quanto à condução da política econômica pelo atual governo, é importante também acompanhar quais são as propostas dos demais candidatos à presidência. Com o intuito de conferir maior transparência, a Folha de São Paulo convidou economistas responsáveis pela elaboração do programa de governo dos pré-candidatos para escreverem artigos apresentando quais devem ser as suas propostas. Os economistas que aceitaram o convite foram Nelson Marconi (Ciro Gomes), Henrique Meirelles (João Dória), Guido Mantega (Lula) e Afonso Pastore (Sérgio Moro), cujos textos foram publicados nessa ordem. Abaixo, buscou-se sintetizar e comparar suas proposições por tema abordado.
Política fiscal
Para Marconi, o equilíbrio fiscal passa por diminuição de subsídios e isenções, alterações na definição do orçamento, criação de tributos sobre lucros e dividendos e patrimônio (grandes fortunas), aumento de alíquota sobre heranças, e melhora qualitativa das despesas do governo.
Já Meirelles não aprofunda muito qual seria a política fiscal a ser praticada num possível governo Doria. No entanto, o candidato posteriormente lançou um documento com suas propostas, consolidada por Meirelles e outras três economistas, em que defende a manutenção do Teto dos Gastos Públicos. Para dar-lhe sustentação, propõe algumas medidas, como revisão das emendas parlamentares e de “políticas sociais ineficientes”, realizar uma reforma administrativa, dentre outras.
Por sua vez, Mantega fala em realizar uma reforma tributária para simplificação de impostos, redução de taxação sobre os mais pobres e elevação que simplifique os impostos federais, estaduais e municipais. É importante também diminuir a taxação dos mais pobres, aumentando os tributos sobre a renda e patrimônio dos 1% mais ricos.
Finalmente, Pastore não explicita que manterá o teto de gastos, mas é possível inferir que sim, quando fala em “controle dos gastos”. Menciona também a realização de reformas que reduzam “desperdícios e privilégios”, alocando esses “recursos a setores e atividades com maior retorno social”. Cita ainda a criação de um imposto (IVA) que unifique os atualmente incidentes sobre bens e serviços, cobrado no destino.
Fomento aos investimentos
Marconi menciona que países como Alemanha e EUA vem lançando planos para recuperação de suas indústrias, com investimento em infraestrutura e P&D, o que também se pretende através do Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND), elaborado por Ciro Gomes e apresentado sob a forma do livro “Projeto Nacional: O Dever da Esperança”, de 2020. Nesse projeto, propõe-se “desenvolvimento científico e tecnológico”, políticas industriais e investimento em educação, dentre outras propostas.
Já Meirelles sugere uma política mais focada na “promoção de um ambiente de negócios que facilite a produção”, ficando o Estado numa posição mais passiva atuando em sustentar mais segurança jurídica e outras condições para estimular o setor privado a expandir o investimento.
Um “Programa de Desenvolvimento Econômico e Social” é proposto por Mantega, guardando certa semelhança com o PND de Ciro Gomes. O petista crê que o governo deve lançar “um ambicioso plano de investimentos públicos e privados”, com vistas a aumentar a infraestrutura e incrementar a produtividade. Fala ainda em estimular a competitividade da indústria brasileira através de políticas setoriais e de investimento em tecnologia.
Pastore também aposta na elevação de investimentos em infraestrutura, no entanto, crê que a maior parte deve ser realizada pelo setor privado, por meio de concessões, que por sua vez requerem “aperfeiçoamentos regulatórios” para conferir maior segurança jurídica.
Política social
Marconi avalia que através do PND de Ciro, seja possível a recuperação de indicadores sociais, através de mais qualidade nos empregos, melhora da educação e “políticas específicas para os mais desfavorecidos”. Por sua vez, nesse tema, Meirelles expõe que o objetivo será a queda da desigualdade social, com melhor direcionamento de recursos e atuação do Estado. Também menciona a realização de “investimento na formação de capital humano”.
Em seu artigo, Mantega não dá muitos detalhes de como seria a política social de um governo petista, limita-se a dizer que, nessa área, o governo deve oferecer “medidas emergenciais de combate à fome e à miséria, que propiciem condições de sobrevivência da população mais pobre”.
Por outro lado, Pastore desenvolve um pouco mais, ressaltando dar continuidade a importantes políticas públicas, “como na assistência à primeira infância, na educação, na orientação objetiva da saúde, e nas transferências de renda que deem a todos o mesmo ponto de partida”.
Política ambiental
Nessa pauta, Marconi argumenta que a preocupação com o meio ambiente pode ser também “uma oportunidade de investimentos”, como por exemplo a instituição de novas fontes de energia, uso mais sustentável do petróleo, modificações na produção de carnes e outros alimentos, diminuição do uso de carbono na infraestrutura e aumento da tecnologia na área da saúde. Esses investimentos estimulariam a inovação em microeletrônica, softwares e inteligência artificial, ao mesmo tempo em que incentivariam a demanda por vários serviços.
Com relação a esse tema, Meirelles crê que o Brasil necessita de regramentos que estimulem o setor privado a buscar “uma economia carbono zero”. O economista menciona diferenciais do país “tanto [na] geração de energia quanto no consumo nas áreas industrial e de transporte, com os combustíveis verdes ganhando espaço”. Destaca também a necessidade de conservação da Amazônia, por meio do que chamou de “regulamentações claras”.
Mantega não discorre significativamente sobre a pauta ambiental em seu artigo, limitando-se apenas a declarar que as políticas industriais e de tecnologia devem incentivar a competitividade sem “esquecer as questões climáticas e ambientais”. Já Pastore ressalta o papel do Brasil na preservação ambiental, devendo retomá-lo “com a meta de um desmatamento zero, aliada a políticas de desenvolvimento sustentável para a população da região amazônica”, assumindo uma posição de “protagonismo” e “liderança” mundial.
Considerações finais
O Brasil enfrentará grandes obstáculos nesse ano, como inflação alta, baixo crescimento, desemprego elevado e considerável endividamento do setor público. Por ser seu último ano de mandato, o atual governo terá pouca margem de manobra para induzir que a economia seja favorável no período prévio às eleições gerais.
Estes e outros temas devem fazer parte dos debates eleitorais, em que baseado nos textos dos economistas representantes dos candidatos selecionados pela Folha de São Paulo, é bem provável que teremos basicamente dois tipos de programas: progressistas/desenvolvimentistas (Ciro Gomes e Lula), em que o Estado cumpre um papel estratégico na condução das políticas necessárias, visando estimular e estabelecer parcerias com o setor privado, e liberais/fiscalistas (João Dória e Sérgio Moro), nos quais a iniciativa privada cumpre maior protagonismo, enquanto o Estado se restringe a buscar um equilíbrio macroeconômico mais favorável ao ambiente de negócios.
Visto que os principais problemas brasileiros residem em mais de 13 milhões de brasileiros sem emprego e renda e mais de 50 milhões na linha da pobreza, uma acirrada desigualdade social e uma inflação excessivamente alta mesmo para quem possui renda própria, urge a implantação no Brasil de um programa nacional desenvolvimentista capaz de elevar investimentos públicos e privados para geração de emprego e renda, e oferecer uma renda básica suficiente para tirar a população da miséria, sendo financiada pelo pagamento de tributos que incidam sobre as classes mais ricas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KUHN, Christian Velloso (2020). Governo Figueiredo (1979-1985): política econômica e ciclo político-eleitoral. Jundiaí (SP): Paco Editorial, 244 p.