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  • Eduardo Semerjian

Fernando Cury, um deputado estadual de 13 anos

Vou começar esse texto falando de mim. E vocês entenderão que é um “mea culpa”. Quando eu tinha 13 anos, e estava na 6ª série, hoje 7º ano do Fundamental, tinha amigos que estavam, como eu, descobrindo o mundo. E como vários garotos daquela idade, eu tentava me afirmar perante a eles e outros colegas de escola, me mostrando bom em algumas coisas. O problema é que quase todos nós viemos de famílias conservadoras, estávamos num colégio conservador e católico, e numa época conservadora, a Ditadura Militar. E quando eu digo conservador, por favor leia patriarcal, machista, racista, homofóbico e todo o pacote que você já deve imaginar. Eu era (já naquela época) bom jogando no gol, mas não era o suficiente para que me achassem “legal”, e minha necessidade de me afirmar me levava a fazer o que era divertido em roda de meninos: falar de meninas, e dizer quais eram gostosas e quais não eram, fazer listas, e todas aquelas idiotices que causam vergonha. E uma das coisas que era quase um campeonato entre nós era passar a mão nas partes íntimas de garotas que “classificávamos” como gostosas. Quem conseguisse mais, levava o prêmio: o reconhecimento dos outros. Enfim, a ideia é que eu sei já há algum tempo, o enorme mal que eu fiz às garotas que eu assediei e a mim mesmo, por ter sido tão idiota, e ter me direcionado tão mal nas relações com as mulheres. E eu gostaria muito de pedir perdão a cada uma que foi assediada por mim, diretamente, olhando nos olhos.


O tempo passou, eu me tornei adulto, os tempos foram mudando, eu fui entrando em contato com o Movimento Feminista vários anos depois, e ligava os pontos do quanto aquela minha atitude gerava tanto mal para as mulheres. Percebi o quanto aquilo era uma atitude de objetificação feminina, que perpetua as mulheres como menores, subservientes, inferiores e tudo que desiguale as relações, com prejuízo a elas, claro. E na verdade, felizmente faz muito tempo que eu aprendi que não podia fazer aquilo. Na própria adolescência eu já me arrependi, e aprendi que aquilo simplesmente não tem cabimento e que é uma tremenda agressão a qualquer mulher. E eu ainda tinha menos de 18 anos.


Ainda hoje vejo que o buraco é muito mais embaixo, e que tenho que me reconhecer machista, e estar disposto a mudar lentamente, porque não se deixa de ser algo que sempre foi da noite para o dia. Enfim, sou o que hoje está muito mais comum de dizer (felizmente): que sou um machista em desconstrução.


Agora vamos dar um salto no tempo, e nos deparamos com o dia 17 de dezembro de 2020, dia em que a Deputada Estadual por São Paulo, Isa Penna, do PSOL, estava na bancada da Mesa Diretora conversando com o Presidente da casa. Ao mesmo tempo, o Deputado Fernando Cury (Cidadania), resolve ir até Isa Penna e passa as mãos na lateral direita dos seus seios, visivelmente mal-intencionado e bem à frente do presidente (Cauê Macris, do PSDB). No vídeo, fica claro que Cury avisa o colega de Assembleia, ao seu lado, que iria fazer o tal assédio, tanto que o colega tenta segurá-lo, em vão. A cena me pareceu um déjá-vu de quando eu era adolescente, o risco iminente, a necessidade de parecer importante perante os amigos que tinham ficado o dia todo zombando da dança sensual da Deputada Isa. Ou seja, ele, aos 41 anos, teve a mesma atitude que eu tive com 13. Temos um Deputado Estadual na Assembleia, que tem idade mental e emocional de 13 anos. O que faz um homem adulto, já quarentão, ter uma atitude irresponsável de um garoto de 13 anos dos anos 70? Eu te respondo: machismo, patriarcalismo, corporativismo masculino. Esse tipo de assédio também não é novidade na vida da Deputada Isa Penna, que ao que já sabemos, relatou agressão verbal e física feita contra si pelo então Vereador Camilo Cristófaro, em 2017, dentro de um elevador privativo na Câmara dos vereadores. E tenho certeza que em sua vida pessoal, ela já deve ter sofrido casos de machismo bem mais nova que isso.


Isa fez um vídeo essa semana relatando que está cansada, e inclusive pediu uma licença de 15 dias da Assembleia, com intuito de descansar e cuidar da sua saúde mental. É apenas pela pandemia? Com certeza, não. O cansaço é só mental? Com certeza, também não. Ao ser assediada pelo Deputado Cury, o inconsciente da Deputada, certamente recheado de outros episódios de desrespeito à sua condição de mulher, disparou-lhe um monte de lembranças, sentimentos de raiva, insegurança, químicas indesejáveis, entre outras coisas. Um simples gesto que, se não causa exatamente uma ferida no corpo, fatalmente causou uma terrível ferida na alma. Ao final do julgamento do caso na Comissão de Ética, a Assembleia, como o pai conservador que é, passou a mão na cabeça do seu filho homem que reafirmou a condição de macho, e deu como prêmio a Cury uma inócua suspensão remunerada de 119 dias, sem mais prejuízos. Isso afeta ainda mais a condição mental e emocional, não só de Isa Penna, mas de todas as mulheres que sentem na pele e na alma o machismo estrutural que todos os dias não se cansa de reafirmar que a mulher tem que se submeter ao homem.


Definitivamente, é hora de isso acabar! Fernando Cury e todos os meninos de 13 anos, tanto da Assembleia quanto de outras casas parlamentares e da Sociedade como um todo precisam crescer. Precisam parar de querer reafirmar para a Sociedade que são machos alfa, e que merecem o carinho e a atenção dos seus. Não dá para a gente como Fernando Cury levar uma suspensão de 119 dias como se estivesse num colégio aprendendo a ser adulto. Ele é um representante da Sociedade. Sociedade que o escolheu (mal) para representá-la. Sociedade que tem mais de 50% de mulheres, iguais àquela que ele assediou.


Fernando Cury precisa ser exemplarmente cassado, e depois processado criminalmente, como criminoso que é, pelas óbvias imagens mostradas no vídeo da Assembleia. Legislativa de São Paulo.

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