- Christian Velloso Kuhn
Incompetência útil: o paradoxo de Guedes
Atualizado: 15 de abr. de 2021
Christian Velloso Kuhn
Economista e professor do Instituto PROFECOM
O Portal UOL fez, em 31/12/2020, uma interessante matéria intitulada “Guedes ajudou a economia do Brasil ou fracassou em 2020? Analistas comentam” [i]. Nela, mencionam as reformas tributária e administrativa, bem como as privatizações, como algumas das promessas que não se concretizaram no ano passado. Outra crítica é concernente ao programa que deveria ser criado para substituir o Bolsa Família, encomendado provavelmente por Bolsonaro, pois não parece algo que faça parte do rol de medidas da agenda liberalizante de Guedes.
Enquanto em 2019, Guedes reinou como o superministro de Bolsonaro, tendo aprovado apenas a Reforma da Previdência e publicado a MP da Liberdade Econômica, no ano passado, a pandemia parece ter obrigado o Ministro da Economia a dar um giro de 180º na sua política econômica, com a aprovação de uma série de ações intervencionistas voltadas ao seu enfrentamento, tais como a instituição do Auxílio Emergencial, ajuda aos governos estaduais e municipais, crédito para empresas, renegociação de dívidas e o programa de redução de salários e de jornada de trabalho. O resultado é uma queda prevista para em torno de -4,5% do PIB, acima da recessão de -10% de vários países. Alguns analistas atribuem às medidas adotadas pelo governo como principais fatores a amenizarem a nossa recessão, ainda que se confirmada, será a maior retração do PIB num único ano desde o pós-guerra.
Contudo, há outro fator que explica o nosso tombo ser menor do que dos demais países. Uma explicação meramente estatística. Ao contrário da maioria dos países, sofremos uma forte retração do PIB no triênio-2014-2016, responsável por uma queda de 8,03% do nível do PIB do 1º trimestre de 2014 (maior nível de produção da nossa história). A opção por uma política reformista, privatista e fiscalista desde a assunção de Temer na Presidência, sustentada por Bolsonaro, levou-nos a uma trajetória de crescimento médio de 1,26% a.a. no triênio de 2017-2019, aquém para recuperar toda a recessão do triênio imediatamente anterior. Por causa disso, até o 3º trimestre de 2020, o PIB já acumula uma queda de -5,0% em comparação ao nível do 4º trimestre de 2019. Todavia, se o nível de produção nesse período fosse o mesmo do 1º trimestre de 2014, essa retração seria de -8,44%, isto é, maior do que a redução do PIB no triênio de 2014-2016. Logo, estamos atualmente ligeiramente abaixo do nível de produção do auge da crise daquele período. Para se ter uma ideia, é muito próximo do patamar do PIB do 4º trimestre de 2010. Ou seja, é a estagnação de uma década inteira.
Em suma, a queda do PIB em 2020 só não é maior porque se deu sobre uma base deprimida, abaixo da registrada 5 anos antes.
É claro que não se pode atribuir a Meirelles e Guedes o tombo que nosso PIB levou no triênio de 2014-2016, todavia, o mesmo não podemos afirmar quanto às políticas adotadas para a recuperação econômica nos últimos quatro anos. A insistência, principalmente de Guedes, em vãs promessas como a aprovação da Reforma da Previdência como bala de prata para a retomada do PIB, e a necessidade de Reformas Tributária e Administrativa, nos moldes impostos pela sua equipe econômica, e privatizações de estatais para que os investidores voltem a confiar na nossa economia, não passam de meros subterfúgios pueris, um discurso para rentista (inglês ou não) ver. Não se consolidam em qualquer resultado prático.
Muito pelo contrário, é verossímil e provável que a economia brasileira poderia se encontrar em situação muito mais frágil caso Guedes tivesse êxito completo em aprovar sua agenda. A Reforma Tributária desenhada pela sua equipe manteria a falta de incidência tributária sobre fontes como lucros, dividendos, grandes fortunas e bens de luxo (iates, helicópteros, aviões, etc.), geralmente das classes mais ricas, ao mesmo tempo que com a unificação do PIS e COFINS na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – que manteria as igrejas isentas – elevaria a carga tributária de prestadores de serviços da educação e turismo. Isso sem falar no polêmico imposto sobre transações eletrônicas, retirado da proposta para ser discutido em um segundo momento. Tudo isso agravaria ainda mais a nossa desigualdade.
O mesmo pode ser dito da Reforma Administrativa, que não propõe nenhuma melhora gerencial na administração pública (como a Reforma Gerencial idealizada por Bresser-Pereira no primeiro governo FHC). Medidas como a redução da estabilidade dos servidores públicos, tornando-os mais suscetíveis a pressões de comissionados ou políticos, ou o impedimento da realização de políticas setoriais, praticamente acabando com qualquer possibilidade de implantação de políticas industriais, mais restringirão do que estimularão nosso crescimento e desenvolvimento socioeconômico.
Com as privatizações, não se vislumbra nada diferente. Quando se muda o controle estatal para o privado, altera-se também seu mote, antes direcionado para o acesso a bens e serviços públicos a valores compatíveis com a capacidade de pagamento dos cidadãos, para a geração do maior valor de lucros e dividendos que beneficiarão poucos acionistas privados. Para tanto, os novos acionistas geralmente contraem os níveis salariais, bem como enxugam o número de empregados. Se isso melhora a produtividade, por outro lado, em contexto recessivo como o nosso, acirra ainda mais o desemprego e corrobora para a diminuição da massa salarial, cuja queda da renda por sua vez desestimula o consumo das famílias e retarda a retomada do crescimento econômico.
Não é a toa que eu mesmo defendi em outra oportunidade, no artigo #ForaGuedes, na Carta Maior[ii], a demissão do ministro da Economia, quando argumentei inclusive que: “Se fosse um gestor de uma empresa privada, teria sido sumariamente demitido, pois não duraria tanto tempo apresentando diversos projetos sem concluir nenhum”.
Desse modo, se por um lado, Guedes é um incompetente para implantar sua agenda liberal preconizada para satisfazer os interesses de restritos grupos empresariais e rentistas, por outro lado, seu fracasso é o que tem permitido a economia brasileira se encontrar em situação menos periclitante. Caso fosse substituído por um ministro com orientação ideológica semelhante a sua, como pelo Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, é bem provável que este teria mais sucesso na condução da política econômica, o que reproduziria mais uma vez uma saída lenta e titubeante para a atual crise sanitária e econômica.
Esse é o paradoxo que se encontra a manutenção do inepto Guedes na condução da política econômica do governo. Seria superado se o atual ministro da Economia fosse substituído por alguém de orientação ideológica keynesiana/desenvolvimentista, pois dessa forma seria mais provável que a economia se recuperasse mais rapidamente. No entanto, igualmente provável que isso proporcionasse ainda mais popularidade ao Presidente Bolsonaro, contribuindo ainda mais para a sua reeleição. Constituiria, então, um dilema: torcer para o Presidente continuar com Guedes na pasta da Economia apresentando resultados pífios e contendo a popularidade de Bolsonaro, ou para que ele o substitua por alguém mais competente e que adote ações que estimulem mais rapidamente a retomada econômica, o que traria maior bem-estar à população até 2022, mas de outra sorte, viabilizaria a recondução de Bolsonaro ao poder para mais quatro anos de mandato. Um processo de impeachment nesse ínterim se tornaria ainda mais desejável.
Referências [i] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/12/31/guedes-reformas-privatizacoes-danos-pandemia.htm?cmpid=copiaecola. [ii] https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/%20FORAGUEDES/7/48762.
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