- Atena Beauvoir Roveda
MASTURBAÇÃO POLÍTICA PARTIDÁRIA OU PRAZER DENTRO DA BOLHA
Confesso que não encontrei um termo melhor para expressar o que tenho sentido nos últimos anos a respeito do tema que vos escrevo. De antemão, afirmo categoricamente que cada texto que escrevo é direcionado inicialmente a minha própria consciência, cobrando a mínima coerência com o que eu sinto, acredito e materializo no mundo.
A discussão desse tema se encontra com a discussão da minha vida política partidária. Toda luta política tem que partir do reconhecimento da própria história pessoal, caso contrário não saberemos quem somos na história política que vamos vivenciar coletivamente. Entrei nesse terreno por conta de perceber que Bolsonaro era presidente da República e bem, creio não precisar falar muito a respeito. A falta de tudo naquele sujeito me fez sentir uma intensa provocação: se ele que ali está, do alto de sua “presidencialidade” e do mais baixo de sua estatura ética, onde eu, diante de tudo que só eu sei que vivi, posso estar? A minha presença na estrutura política institucional brasileira é uma resposta à presença de Bolsonaro no poder. Pode não ser uma resposta que signifique alguma coisa para muitas pessoas, mas para minha própria história pessoal foi a única saída que senti ser a correta. Mas por um tempo, pensei que bastasse a ira, o ódio, a revolta ou a insatisfação que surge no meu peito e na mente para avançar e permanecer em algum espaço partidário. Ledo engano que em um vôo do Rio de Janeiro para Porto Alegre, assistindo um documentário sobre a vida de Leonel Brizola, percebi de forma mais profunda, o que já havia vislumbrado ao estudar a história de Olívio Dutra: é preciso muito mais do que simples boa vontade para a luta política na sociedade brasileira.
Certa vez, em reunião de nosso núcleo trabalhista, comentei sobre uma postura comum da militância em geral: a masturbação política partidária ou o prazer dentro da bolha. Realizar movimentos, atividades, intervenções, atos, protestos que ao fim de tudo, não temos nenhuma forma séria e responsável de avaliarmos algum resultado de tais ações. Sabermos se de fato há impacto. Alguém poderá dizer: Há sim, nas urnas. Mas isso é tão diminuto. Enquanto a abstenção estiver gritante, as eleições passam a ser uma medida que em certo tom, nos indicam com incerteza, quais as condições efetivas das ações político partidárias, mas não nos permitem afirmar, de fato, o impacto social, pois mobilizamos sazonalmente as pessoas para votarem e isso cria um clima de desconfiança em alguns casos ou em todos, de pieguismo representativo social e de uma democracia responsabilizada no voto secreto.
E aí chegamos no ponto do termo: “se para nós está prazerosa essa luta, se para nós faz sentido essa luta, se para nós, isso é a luta, nós estamos no caminho certo, rumo ao gozo da vitória!” e lá na rua ou dentro dos ônibus passam por nós, muitas senhoras e senhores, adultos e jovens, desligados de qualquer vínculo partidário ou somente reconhecendo na memória nomes de personalidades, algumas mortas outras não, e ficam observando as bandeiras partidárias, os panfletos com manifestos e denúncias e uma série de outras tantas intervenções cênicas que parecem rememorar um tempo que se foi.
Essa relação: Nós definimos um critério de luta e afirmamos que a luta política é alcançar aquele critério, que nós mesmos decidimos. É isso, luta política? Talvez, para muitas militâncias, seja de fato, importantes articulações das mais variadas formas em que a estética da luta seja construída para si mesma, para fortalecer as suas próprias convicções de que está se alcançando a sociedade de alguma forma. É como se algum escritor escrevesse suas obras para guardar em gavetas. Ou atrizes e atores que jamais recebessem público para assistirem suas peças teatrais. Ou cantora e cantor que ensaiaram durante meses e ao serem convidadas ao microfone se emudeceram.
Quando se propõe um ato de militância, eu sempre questiono: como vamos conseguir ter retorno da efetividade dessa ação? E eu não posso pensar que essa resposta virá de nós que somos militância, porque seremos responsáveis em nos dar a própria avaliação e isso não faz sentido quando a luta é social e política, ou seja envolve outros sujeitos além de mim e do grupo de militância a que pertenço?!
Lembro da ocupação da escola pública Rio Grande do Sul aqui na capital gaúcha, onde ficamos 138 dias dormindo no interior do prédio, mães, pais, ex-alunas e ex-alunos, militantes de vários movimentos sociais e partidários. E muitas vezes, recordo de frases impactantes: “Vamos fazer uma ocupação simbólica!”, dita no primeiro dia de ocupação, ou “Os pais e mães precisam estar à frente dessa luta e não nós”. A primeira frase foi explicitada por uma liderança de juventude de um determinado partido. Prontamente, ao escutar, questionei: “Foi simbólico o governo quebrar o cadeado da escola e arrombar a porta, levar todos os documentos das crianças sem autorização dos pais ou de comum acordo com a comunidade escolar? Não foi simbólico. Nossa resposta tem que ser materializada e não vindo final de semana fazer almoço, como tu sugere, e unir um pessoal disperso, pois podemos chegar aqui e não restar mais nada da escola!”. Essa foi minha resposta.
Mas, se ficamos 138 dias, 5 meses dormindo no chão da escola e nos alimentando de doações e compartilhando da nossa existência na luta, é porque os pais e mães estavam à frente. Mas sabem porque a segunda frase foi dita? Mesmo quando em todos os momentos ocorreram diálogos intensos com as mães e pais daquela escola, analisando estratégias, buscando apoios, avaliando riscos, mas foi exatamente porque aquele determinado grupo de militantes não via a luta dos pais como eles enxergavam que os pais deveriam lutar. Devemos ter um modelo de estrutura social de luta daqueles que serão os mais atingidos, mas, precisamos combinar com os mais atingidos, como eles desejam lutar. E para isso, precisamos do que? Confiança que vem do latim ter fé. Sim, a luta é feita de confiarmos uns nos outros e não em um sistema de luta burocrática de que fulano fala e ciclanos acatam sem ocorrer nenhum tipo de disposição emocional, do coração mesmo, para sabermos até onde podemos acreditar que é possível vencer uma luta.
Algumas pessoas podem sentir que quando eu falo de situações como essa ocupação, que eu desprezo outras formas de militância, física ou virtual ou outras táticas. Porém, eu me sinto responsável somente pelas formas de lidar com a luta popular que eu sinto primeiro no meu ser. A minha existência precisa estar envolvida com a luta em questão, caso contrário, o ideal é iludido e para me satisfazer, vou precisar exercitar minha imaginação e de lá materializar uma luta que somente a mim dará prazer de sentir esse envolvimento, exatamente porque faz sentido para mim ou para meu grupo de militância, mas as vezes, não para o povo que está a observar. Dou o exemplo de Porto Alegre, quase 1 milhão e 500 mil habitantes em 94 bairros. Não existirão desafios sociais como demandas para todos os partidos políticos existentes aqui na capital? E não digo dos mandatos de vereança que devam levar a frente estas questões.
Os militantes dos partidos políticos populares devem estar vinculados com as demandas populares, para muito além de uma planilha de buscar onde não tem asfalto ou onde precisar cortar grama de praça ou iluminação de poste para solicitar ao executivo municipal. As militâncias que queiram se construir populares, devem se identificar com o povo e não aguardar que o povo busque a militância somente nas eleições.

Figura: Restless Sphere, Coop Himmelblau, 1971. Fonte: HAGHIGHI, F.; NIKOLINA, B, I. Political Matters [thematic journal issue]. Journal of Architecture and Related Arts, 2020.
Imagem de capa: Coop Himmelblau, Restless Sphere, 1971.