top of page
  • Jean Michel Daros Hack

Neoliberalismo, fascismo e a Doutrina de Segurança Nacional


 

Jean Michel Daros Hack

Bacharel em Ciência Política e Sociologia (UNILA)

Pesquisador do Grupo de Estudos Marxismo e Política (GEMP)

Estudante de Direito

 

Nos últimos dias chamou a atenção de todo o país as investigações (e prisões) embasadas na Lei nº 7.170/1983, a Lei de Segurança Nacional (LSN). Foram os casos das prisões do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e dos manifestantes em Brasília, assim como das investigações do youtuber Felipe Neto e do professor Tiago Costa Rodrigues. Todos enquadrados na referida Lei, por exporem suas convicções políticas. Mas o que, de fato, representa a Lei de Segurança Nacional?


Bom, o presente texto não tem por objetivo analisar a legalidade jurídica das prisões ou das investigações, embora este que vos escreve descarte qualquer legitimidade que esse dispositivo possa reivindicar (pelos motivos que passo a expor adiante). Todavia, antes de prosseguir, creio ser digno de nota mencionar que as declarações do deputado federal do Rio de Janeiro carregam consigo um risco ao Estado Democrático de Direito e mesmo a integridade física dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Ora, uma crítica ao governo, uma crítica a pessoa do Presidente da República, jamais poderá ser comparada com ameaças e insinuações de golpe e espancamentos. Dito isso, voltemos a nossa pergunta inicial.


A LSN vem de longa data, sendo que uma de suas primeiras versões foi promulgada ainda no governo de Getúlio Vargas, em 1935, e ganhou novas versões e sentidos até chegar a atual, de 1983, sancionada pelo último presidente da ditadura militar, João Figueiredo. Como ensina o jurista Hélio Bicudo[i], a questão da segurança nacional, referia-se anteriormente à ideia de defesa da Pátria, na defesa dos cidadãos que compõem uma nação. Tal concepção foi ressignificada no Brasil a partir da formação da Escola Superior de Guerra (ESG), em 1949. Criada com inspiração na ideologia estadunidense da Doutrina de Segurança Nacional, sob a ESG, a partir do golpe de 1964, a LSN passou a ser usada como instrumento de defesa do novo regime político e, mais especificamente, das pessoas que o integravam.


A ideologia da Doutrina de Segurança Nacional suprime a diferença entre a violência e não-violência, uma vez que, aqueles que comandam o Estado, aplicam a força contra seus supostos adversários, violenta ou não. O inimigo passa assim, a estar dentro do próprio território. Qualquer semelhança com a concepção do Direito Penal do Inimigo não é mera coincidência.


Podemos perguntar, então, como é possível que esse dispositivo da ditadura pode vir a tona mais de 30 anos depois da redemocratização e do fim do regime militar? Seria Bolsonaro a figura nefasta que traria novamente os anos de chumbo para o país?


Bom, sem sombra de dúvidas, podemos identificar Bolsonaro como um “filho” da ideologia de segurança nacional. Não foram poucas as vezes em que o capitão reformado fez alusão ao golpe de 1964, comemorando o 1º de Abril como momento de salvação nacional, além de minimizar e até mesmo negar as atrocidades daquele regime. O Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra é seu ídolo. O presidente não sente o menor constrangimento em expor como sua visão de mundo segue religiosamente uma cartilha requentada dos tempos da Guerra Fria. Afinal de contas, foi no Exército dos anos 1970 em que ele forjou-se enquanto sujeito político. Mas tanto Bolsonaro quanto a Doutrina de Segurança Nacional, por meio da LSN, são partes de movimentos mais amplos e que ditam os rumos dos embates no âmbito dos aparelhes de Estado e na “sociedade” brasileira: a ascensão do fascismo e o neoliberalismo.


O bolsonarismo, enquanto face do novo fascismo brasileiro, como podemos perceber, é forjado a partir de um certo tipo de nacionalismo apoiado em certos valores tradicionais e religiosos, que se mantém sempre em um certo estado de beligerância, isto é, se mantém sempre ativo em prol de uma agenda de combate aos inimigos da nação, pela unidade nacional (contra os que “dividem o mundo em classes, gêneros e raças”), pela “família tradicional brasileira”, pela moralidade (o discurso anticorrupção) e em defesa da civilização cristã ocidental. Mediante a narrativa anticomunista/antipetista, “acusa” de vermelhos e inimigos qualquer opositor real ou de ocasião. Para a base e o núcleo duro do governo, são tão comunistas (ou globalistas) os ministros do Supremo Tribunal Federal ou o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) quanto fora outrora o guerrilheiro Carlos Marighella.


Ainda, de modo geral, o fascismo, como aponta o sociólogo Theotônio dos Santos “é um movimento político de origem pequeno burguês que se desenvolve em oposição ao crescimento revolucionário do proletariado e que afirma o princípio da autoridade e da disciplina como forma de superar o “caos’ social trazido pelo movimento operário”[ii]. Uma revolução do proletariado, aparentemente, não está no horizonte da cena política, embora o medo que as essas classes médias carregam consigo (medo da violência, da proletarização, etc.) e a crise do capitalismo, estes de fato, presentes e que urgem por uma resposta de disciplina e autoridade, formam parte da base do discurso fascistizante desses setores.


Isto posto, cumpre destacar que, assim como na década de 1960, o autoritarismo ou fascismo brasileiro (fascismo dependente, para Theotônio) só pode chegar ao poder pelo interesse do grande capital e se fundamenta em três pilares: reformismo econômico, reformismo político e repressão. Nesse sentido, é a doutrina de segurança nacional que vem integrar esses três objetivos. É ela e tudo o que ela engloba, portanto, que ocupa o imaginário do bolsonarismo e das frações dos grupos políticos que, pelos mais variados interesses, orbitam o governo.


Sob as diretrizes dessa doutrina política, agora esses objetivos são executados por um chefe carismático conservador, uma tecnocracia cívico-militar que tende a operar gradativamente em direção de maior repressão – seja pelo braço repressivo estatal, seja pela entrada em cena de milícias que cada vez mais encontram facilidade para chegar aos armamentos.


Por ora, é a intimidação, por meio da via jurídica e da violência simbólica (inquéritos, prisões e ameaças), que o projeto autoritário representado por Bolsonaro vem sendo executado. Esse projeto, o projeto da Doutrina de Segurança Nacional, teve o seu papel central no golpe de 1964, na desnacionalização da economia e no aprofundamento das desigualdades sociais durante regime militar, e agora, renovado pela necessidade de fazer avançar o neoliberalismo, ocupa novamente papel central na política nacional, operando com ímpeto feroz no sentido de aprofundar a reprimarização da economia e o desmonte do Estado brasileiro, limpando caminho para a entrega dos setores estratégicos do Brasil.


Com a desagregação que a mercantilização e individualização da vida, agudizada pela negação neoliberal da existência da própria sociedade (como dito por Margaret Thatcher), afirma-se, por um lado a existência unicamente de interesses individuais diversos e, por outro, assume a percepção da vida gerida como uma empresa. Isso faz com que o projeto neoliberal, ao sinal de esgotamento, busque, no limite, ancorar-se no conservadorismo e no fascismo, abrindo mão de sua aparência extremamente legalista para reivindicar certo nível de coerção social e assegurar uma certa “ordem” por meio da militarização da sociedade. David Harvey diria que o “neoliberalismo está sempre ameaçado de criar o seu próprio nêmesis em uma variedade de populismos e autoritarismos”[iii].


A governamentalidade, a razão neoliberal em si, carrega uma profunda desconfiança sobre a democracia. Tributária das teorias das elites, pensam que um governo da maioria pode ser uma ameaça às liberdades, sendo a democracia possível apenas sob condições de relativa prosperidade e uma forte presença da classe média para garantir a estabilidade política. Não seria o caso de um país “subdesenvolvido” como o Brasil.


Portanto, a implementação da agenda neoliberal é condição sine qua non para a manutenção (e o avanço) do novo fascismo brasileiro, assim como, nesse momento histórico, a referida agenda necessita invocar os fantasmas da Doutrina de Segurança Nacional, do fascismo dependente e seus mecanismos político-jurídicos de intimidação e violência (como a Lei de Segurança Nacional) em que os Direitos Fundamentais são postos em segundo plano. As elites e as classes médias, por motivos distintos, fazem uma aposta sob o risco de perder o controle da situação e recair em uma espécie de bonapartismo disforme. Contra governadores, prefeitos, parlamentares, juízes e a cidadania que destoam dessa narrativa, despindo-se de sua capa da legalidade, o ideário neoliberal aparece nu: a única liberdade que importa é a do mercado.

 

Referências

[i]BICUDO, Hélio. “Lei de Segurança Nacional”, 1986. [ii]DOS SANTOS, Theotônio. “Socialismo e Fascismo na América Latina”, 1977. [iii]David Harvey, “Una breve história del Neoliberalismo”, 2007.

0 comentário

Obrigado pelo envio!

bottom of page