- Samuelson Xavier
O Legado dos Ressentidos
Atualizado: 16 de mai. de 2021
Samuelson Xavier
Presidente do Movimento Comunitário Trabalhista (MCT) do Ceará
e Vice-presidente Nacional
Recentemente, temos acompanhado uma série de manifestações contra as instituições democráticas. Desde as marchas contra o STF no Brasil à invasão do Capitólio nos EUA. Parte da Esquerda, a Esquerda Difícil, como diria o saudoso Ruy Fausto, insiste em não tomar a defesa da democracia enquanto bem universal. É a Esquerda que senta nos bares universitários e ainda se ufana de dizer "Nós, os soviéticos". Uma outra Esquerda, a Esquerda Mansa, luta com flores e notas de repúdio, e no poder ou fora dele aceita conservar tudo, uma vez que distribua um pouco de renda para sua base e um pouco mais de serviços públicos para o eleitor médio.
É interessante refletir que só a Democracia exibe essa permissividade com aqueles que agridem sua norma. Nenhum outro regime político aceita ser tão radicalmente questionado. Essa razão é a qualidade e a contradição do Regime Democrático. Ela se apresenta como o espaço potencialmente aberto que deixa o poder em questão, mas não entrega nenhuma transformação sem muita luta e pressão que possam desencadear consensos. Na Democracia em questão e em conquista, há o caminho tanto de superação sucessiva de uma ordem democrática por outra ordem democrática mais popular, como também há o caminho da ruptura da ordem política vigente por uma insurgência autoritária.
O desgaste do sistema político é uma realidade cíclica, mas que no ciclo atual, nós poderíamos lembrar tranquilamente da Crise Política de 2013-2014, da Recessão histórica de 2015-2016, do Golpe de 2016, do Governo Ilegítimo de Temer.

Manifestações políticas de 2013. Foto: Gianluca Ramalho Misiti.
A Crise Política de 2013-2014 encarnou a revolta contra o "sistema". Não era um movimento contra o PT, mas contra o status quo, contra a política institucional, o petismo se fundiu parcialmente ao conceito de "mais do mesmo" que a população faz da política. A grande expectativa da época era que o PT encabeçasse uma Reforma Política fazendo justiça ao povo contra os "políticos profissionais"; mas a demanda moralista, muitíssimas vezes justa, é cooptada pela propaganda direitista e agigantada pela recessão econômica contemporânea de inúmeros escândalos de corrupção.
Dilma não era a líder da moral pública que o povo esperava, também não entregou os avanços em Democracia Política e muitos menos em Democracia Econômica. Se a Direita instrumentaliza as energias libertárias e as liberdades democráticas contra a Democracia, ela o faz explorando uma liderança política sobre a moral pública.
Bolsonaro não chegou ao poder porque era bonito. Bolsonaro chegou ao poder porque incorporou a massa do ressentimento social contra o sistema político, aproximando-se estrategicamente à linguagem e ao hábito popular. Se isso é o populismo que a Esquerda Brâmane teme, poderiam dizer Piketty e Mouffe, também é a forma que já levou ao poder homens grandes e minúsculos em toda história. Naquele momento ser contra o Status Quo era parcialmente ser contra o PT.
Quando o povo põe seu sistema político em questão, ele precisa de uma resposta; quando a economia de um país vai para o vinagre, todos os demônios reprimidos saem do armário para fazer um pacto.
Bolsonaro e seu partido-seita é o "anjo de luz" da crise política. Quem apareceu quando o povo buscou um redentor que viesse para castigar seus políticos. A liderança sobre a moral pública é o poder maior de um presidente e é esse poder combinado a manipulação dos ressentimentos sociais que o permite ainda resistir mesmo diante do crescente fracasso.
Seguindo o aforismo de Nietzsche "Eu sofro: alguém deve ser responsável por isso", Bolsonaro é o inquisidor da moral pública e o pseudo-crítico do "sistema corrupto". E vai apresentar como solução a erosão da Democracia pela Democracia. A questão para a questão posta é saber o que faremos além de diagnósticos. Qual será nossa resposta?