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  • Fabio Paes

O MITO DA CATERVA


 

Por Fabio Paes

Sociólogo, professor, poeta e escritor

 

Imagine algumas pessoas acorrentadas a seus ideais, no fundo de suas cavernas, vestidas de verde e amarelo, trajando camisetas da seleção e a bandeira Brasileira. Elas estão sentadas, com as duas mãos presas a seus smartphones, o pescoço curvado para baixo e uma corcunda de dromedário. Estão parcialmente isoladas, uma quase não conhece a outra. A não ser as mensagens de ódio postadas nas redes sociais e os áudios desconexos da realidade que recebem no WhatsApp. Costumam ruminar coisas como: “e o PT?”, “bandido bom é bandido morto”, “mito”, “é melhor Jair se acostumando”, “intervenção já”, entre outras bovinidades.


Por trás dessas pessoas existe uma fogueira de fakenewns, alimentada por lunáticos que insistem que o Brasil se tornará uma Venezuela cheia de esquerdopatas abortistas e feminazis, que o planeta terra tem a forma de uma bolacha Maria, Olavo de Carvalho é o suprassumo da filosofia, os mocinhos da história sempre são liberais de direita, que não houve golpe em 64 e o país necessita de nova intervenção militar.


A fogueira está por detrás de um muro baixo de conhecimento. Toda informação, noticia, fato e dados exatos que a atravessa são projetadas nas telas dessas pessoas, reverberando conteúdos difusos de negacionismo e mentiras.


Se uma dessas pessoas conseguisse se libertar de suas amarras ideológicas, largar o telefone, duvidar dos links suspeitos e encarar os fatos com honestidade e discernimento. Tudo aquilo que ele acreditava outrora será facilmente refutado, ele passaria a ver o mundo de outra forma e, após forte enxaqueca, o vácuo de sua cabeça começaria a ser gradualmente preenchido.


Aquele que se libertou, já não acredita mais nas bazófias de antigamente. Ele quer muito alertar seus antigos companheiros de passeatas contra a corrupção e a favor de Deus, da pátria e da família. Os demais começariam a acusá-lo de traidor, o ameaçariam de morte (ele e toda a família). Atacariam com golpes de frases-feitas como: “vai pra Cuba”, “isso é uma invenção da extrema-imprensa”, “Bolsonaro até 2026”, “bolsomito fuzilará todos os esquerdalhas”, “pelo menos tiramos o petê”, e muito mais.


O Mito da Caterva.


Apesar de utilizar do deboche, da sátira e umas pitadas de humor negro para descrever a situação que vivemos atualmente, é imprescindível a abertura de um longo debate para que possamos começar a entender em qual ponto da curva o Brasil capotou e caiu nesse buraco lamacento de ignorância, revanchismo e negacionismo.


Nos deparamos com a triste situação em que a ciência, os fatos históricos, a experiência, o projeto, os cálculos, a cautela, a racionalidade são relegadas e cambiadas por argumentos toscos.


Vale a pena mencionar a frase dita há tempos por Nelson Rodrigues onde afirmava que “os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”.


Para aqueles que, assim como eu, tem mais de três décadas de vida, certamente recordará o mantra popular dos isentos de plantão: “futebol, religião e política não se discutem”. O resultado dessa fuga é um futebol, que outrora era espetáculo, hoje insosso, onde clubes e jogadores se preocupam bem mais com as receitas ao espetáculo; uma religião que ultrapassa os limites do sagrado e tentam ditar como deve ser o meio social e político; por fim uma política desqualificada, onde os parlamentares pouco ou nada parlam. Uma política pautada no enriquecimento dos capitais simbólicos, sociais e, por que não, financeiro. Uma política pessimamente administrada por um ignorante e aplaudida por toda uma legião de beócios.


Chego à conclusão que as pessoas acorrentadas no fundo de suas cavernas ideológicas sempre estiveram por lá, por mais que rompam seus grilhões, essas dificilmente sairão. Caso saiam, poucos permanecerão fora, o escuro da ignorância é bem mais convidativo. Eles precisam de algo para se espelharem, precisam de um mito. O mito da caterva.

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