- Felipe Rabelo Soares
Política do Consumo e a Letargia da Esquerda
Felipe Rabelo Soares
Graduado em História
Não temos dúvida que a política do consumo proposta pelos governos petistas, no período em que esteve no poder (2003-2016), trouxe uma vida minimamente confortável para as classes sociais mais baixas. Por outro lado, o efeito desse consumismo exacerbado, fez com que esta mesma classe, não tivessem sido estimuladas ao exercício da cidadania, como a conscientização e participação popular no processo de qualidade da democracia. Em meio a um significativo crescimento econômico e uma ínfima, porém considerável, diminuição da desigualdade, faz sentido que algumas questões passem despercebido mesmo, colocando a esquerda gradativamente em letargia.
Em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” Machado de Assis em dado momento nos apresenta que dormir é uma forma de morrer, sem anacronismos. Atualmente a esquerda permanece no estado letárgico, e as consequências são trágicas até o momento, para os mais pobres, óbvio. Para o partido político que desde sempre apresentou o discurso em prol dos menos favorecidos, o Partido dos Trabalhadores, também continua em letargia. Sejamos justos, o PT aplicou uma política de conciliação econômica de ambas as partes, ricos e pobres, ficaram satisfeitos com os ganhos obtidos. Para a elite econômica, tudo dentro da mais perfeita normalidade do lucro e da dominação, pois as instituições financeiras tiveram lucros recordes nos governos petistas, e as classes baixas tiveram acesso aos bens de consumo nunca antes praticados por ela, usufruindo de um certo conforto jamais proporcionado anteriormente por outros governos. Portanto, o resultado desse processo de consumo que a esquerda caiu, culminará em estado letárgico, fazendo com que desencadeasse uma série de fatores, que aos olhos da história trouxe e continuará trazendo, efeitos catastróficos para o processo da qualidade democrática do brasileiro, onde o ódio a democracia, antes expulso pela janela, através da constituição de 1988, bateu na porta novamente, e pelo jeito entrou com muita facilidade por meios legitimamente democráticos, ou seja, pela eleição.
A cadela do fascismo está sempre no cio, como dizia Bertold Brecht. Infelizmente a esquerda não percebeu os movimentos feitos por uma extrema direita antipopular desde de 2013, a partir das fissuras das jornadas de julho. E é justamente naquele momento que a esquerda, junto com o povo, deveria ter de fato mostrado engajamento, porém a letargia causada pelo consumo, omissão na prática do ensino da conscientização e o ódio a democracia, fez com que emergisse uma direita retrógrada, perversa, corrupta, belicista, preconceituosa e racista, que faz grande barulho nos dias atuais, e depois de três décadas na espreita, voltou ao poder com o apoio civil, midiático, empresarial e militar. Nesse sentido, cabe uma pergunta: diante desse caos a vista, o que a esquerda atual está fazendo para mudar esta lógica? Nada de diferente. Simplesmente esperando o resultado ser consolidado oficialmente em 2022. Não satisfeito, cabe a segunda pergunta: como a esquerda deixou chegar a esse ponto de tanta letargia? Primeiro ponto foi a ingenuidade, pois achava que tudo estava sob controle, e que em nenhum momento percebeu que os interesses sociais, econômicos e culturais do Brasil estavam sob fortes riscos. Segundo, a soberba, onde achava que a qualquer momento, como estralar de dedos, poderia reverter as situações adversas.
As adversidades foram muitas no campo da esquerda neste processo, porém a letargia já estava consolidada, para piorar ainda mais, surge uma coletividade mental de fantasias, a partir dos acontecimentos cirúrgicos contra ela própria, deixando-a anestesiada a qualquer tipo de contrarreação. Pois dava entender que todo o processo construído pela esquerda até então, iria ser destruído, como esta sendo, mas que haveria uma reviravolta em breve, justamente aí que as fantasias começaram a proliferar no imaginário da esquerda, a partir de fatos como, primeiro ponto, o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a crença de que o processo não passaria, foi aprovado. Segundo, a esquerda achava que seria impossível encarcerar o líder mais popular da esquerda brasileira atualmente, foi preso. Terceiro, continua tudo bem, pois o discurso era “vamos ganhar as eleições no primeiro turno” perdeu, com uma diferença de quase 16 milhões de votos contra o primeiro colocado, Deputado representante da extrema direita, Jair Bolsonaro. Já se passaram 5 anos que tivemos uma ruptura institucional, e em 2022, parece que vai se repetir o resultado. E a esquerda como está mesmo? Continua letárgica.
Enfim, mais uma vez o ódio a democracia falou mais alto, e rompeu com o processo de qualidade democrática onde todos poderiam requerer um pouco mais de justiça social. A esquerda deixou que houvesse uma ruptura de forma muito branda, sem ao menos ter ocupado os locais de disputas democráticas. O conforto do consumo trouxe como resultado a letargia da esquerda, e depois de 30 anos, mais uma vez a extrema direita brasileira está no poder. Despertai-vos, esquerda, porque já passou da hora.