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  • Christian Velloso Kuhn

Privatização dos Correios: Qual sua Contribuição para o Desenvolvimento do País?

Atualizado: 17 de ago. de 2021


 

Christian Velloso Kuhn

Economista e professor do Instituto PROFECOM

 

Como é de conhecimento geral, os Correios surgiram da criação do Correio-Mor no Rio de Janeiro, em 1663[i]. Após ser transformada em autarquia federal em 1931, com a fusão da Diretoria Geral dos Correios com a Repartição Geral dos Telégrafos, através da constituição do Departamento de Correios e Telégrafos (DCT), cerca de 38 anos depois, em 1969, o DCT foi transformado na empresa pública que conhecemos até hoje, a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT).


Portanto, estamos falando de uma instituição secular, quase quadricentenária, que presta o serviço postal por todo o território brasileiro. De acordo com o Decreto-Lei nº 509/1969, ratificado pela Lei nº 6.538/1978, a União possui o monopólio da oferta dos serviços de envio e entrega de carta, cartão postal, correspondência agrupada e telegrama, os quais a ECT se responsabiliza por desempenhar esse papel pelo Estado.


Com o passar do tempo, vários outros serviços foram integrados ao portfólio da estatal, em destaque, as encomendas expressas pelo SEDEX[ii]. Atualmente, são mais de cem produtos e serviços oferecidos pela empresa que é a maior empregadora do país (chegou a ter mais de 118 mil funcionários[iii]) e única com filiais em todos os municípios da nação. Só por esse fato, os Correios cumprem importante função de integrar todo o território nacional.


A partir de 2013, a ECT passou a registrar sucessivos prejuízos até 2016, trajetória interrompida com o resultado de R$ 667 milhões de lucro em 2017[iv]. De acordo com Marcos Cesar Alves da Silva, vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios, são três os motivos: i) retirada de dividendos acima do lucro anual da empresa desde 2010, o que reduziu significativamente o seu caixa; ii) o represamento das tarifas em 2012-2013 por motivos eleitoreiros, perdendo R$ 1,2 bilhão de receita; iii) mudança na contabilidade, com a provisão e pré-contabilização de verbas pós-emprego (previdência, plano de saúde continuado, etc.), cujas despesas só incorrem no momento de aposentadoria de seus funcionários, lançadas a partir de 2013[v]. Por esse motivo que os resultados da estatal se tornaram deficitários nesse período. Outrossim, desde 2017, a empresa vem obtendo resultados superavitários, tornando falacioso o argumento de dependência de recursos do Tesouro Nacional.


Adotando a velha politicagem de sucateamento de estatais, tornando-as ineficientes propositalmente para prepará-las para privatização, até 2019, os Correios perdeu quase 19 mil dos 118,2 mil funcionários que possuía em 2015[vi]. Infelizmente, a maioria da população não percebe essa estratégia antiética praticada por governos de orientação neoliberal, como nas gestões de FHC, Temer e Bolsonaro. Cria-se, assim, um clima favorável de apoio popular para a desestatização, frequentemente com a cumplicidade da grande mídia.


Desde 2011, mediante a Lei nº 12.490, os Correios possuem potencialidades que infelizmente não foram totalmente bem aproveitadas, permitindo como explicado por Marcos César, que a estatal atuasse “com logística integrada, serviços de comunicação digital, atue no exterior e que constitua coligadas, ou seja, empresas montadas em parceria com a iniciativa privada[vii]. Sobre a logística integrada, Marcos César analisa que:


“Em logística integrada, especificamente, os Correios têm uma grande pista de desenvolvimento para organizar toda a cadeia logística. E ele não precisa fazer isso organicamente: basta a empresa construir uma lógica de parcerias e desenvolver com várias empresas que são donas de armazéns, tecnologias de controle e infraestrutura. E pronto, teríamos um sistema nacional de logística. Isso vale também para as exportações. Os correios têm o Exporta Fácil e o Importa Fácil. Imagine o potencial que seria a empresa montar um grande marketplace com empresas privadas voltado para a exportação e para a importação. Isso não existe, só temos hoje marketplaces voltados para atender o mercado interno. E a empresa já tem o serviço e a logística para isso”[viii].

Segundo Fausto Oliveira, se essas potencialidades fossem melhor desenvolvidas, os ganhos poderiam ser consideráveis. Nas palavras do jornalista:


“Se hoje, funcionando apenas com monopólio em serviços postais (cartas, telegramas e cartão postal) e com a liderança no mercado de encomendas de até 30 kg (44% de participação num mercado já aberto à concorrência), os Correios conseguem dar lucro, sua transformação em empresa de logística internacional poderia multiplicar os ganhos para toda a economia.
Empresas similares são donas, por exemplo, de frotas de avião. A alemã DHL é dona de cinco empresas aéreas que operam mais de 250 aviões. Que sinergia não seria possível no futuro entre os Correios e a Embraer, abrindo para o Brasil uma potencialidade de serviço industrial e logístico de escala mundial?”[ix]

Ainda, de acordo com Marcos César, no comércio eletrônico, os Correios está presente em todos os municípios brasileiros, tornando acessível diversos produtos mesmo em localidades pouco desenvolvidas. Apenas em 500 cidades, os Correios possuem concorrentes que transportam mercadorias com qualidade, ou seja, menos de 10% dos 5.570 dos municípios brasileiros. Os demais são atendidos exclusivamente pelos Correios. Como a escala da estatal é muito maior que seus concorrentes privados, acaba oferecendo preços muito mais competitivos. Inclusive, essa grande escala é aproveitada por seus concorrentes, como Fedex e DHL, que se tornam clientes ao usar os seus serviços para entregas em lugares mais longíquos e de difícil acesso[x].


De acordo com a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), em 270 países desenvolvidos e em desenvolvimento, somente em oito os serviços de correios são atendidos por empresas privadas. Dentre estes, além de Portugal, a Alemanha também já vem debatendo a reestatização do serviço, o que foi feito na Argentina durante o governo de Cristina Kirchner, depois de reinvidicações da população[xi].


Já nos Estados Unidos, o serviço postal é mantido estatal pela United States Postal Service (USPS), com 600 mil trabalhadores, cerca de seis vezes a quantidade de funcionários dos Correios. O setor de encomendas é atendido por grandes empresas privadas, todavia, sem concorrerem nos demais serviços prestados pela USPS[xii].


No projeto aprovado na Câmara Federal em meados do ano passado, definia-se que o monopólio estabelecido na legislação para carta e cartão-postal, telegrama e correspondência agrupada permaneceria com os Correios por somente mais cinco anos, permitindo-se que fosse dilatado esse prazo no contrato de concessão[xiii]. Se o Senado aprovar a atual versão do projeto de lei enviado pela Câmara no início desse mês, a expectativa do governo federal é realizar o leilão dos Correios até o primeiro semestre do ano que vem[xiv].


Para Marcos César, a privatização dos Correios tanto pode comprometer o próprio serviço postal, quanto até mesmo a economia brasileira como um todo. Quanto ao serviço postal, a privatização pode provocar a elevação das tarifas e redução do serviço[xv]. Já os impactos sobre a economia brasileira seriam decorrentes do comprometimento de “todo um ecossistema empresarial que inclui cerca de 1 mil franqueados que administram agências, transportadoras privadas que entregam encomendas e certamente boa parte do comércio eletrônico brasileiro”[xvi]. Isso porque as cidades maiores, por possuírem mais fácil acesso e uma densidade demográfica maior, proporcionam um faturamento maior que permite um subsídio cruzado via a sustentação de agências nas cidades menores[xvii].


Com a privatização, enquanto os maiores municípios devem sentir uma elevação no valor dos fretes das mercadorias, a população residente nos municípios menores sentirá tanto com o aumento dos preços, como na demora no recebimento de correspondências, mercadorias, etc[xviii]. A iniciativa privada não tem incentivo intrínseco para instalar ou manter agências em localidades de difícil acesso, onde a tendência é que sejam menos lucrativas. Caso seja adquirida por grupos estrangeiros, pode piorar as contas externas com a elevação das remessas de lucros para o exterior. Ademais, é muito provável que a privatização dos Correios provoque mais desemprego, seja num primeiro momento através do Plano de Demissão Voluntária (PDV) previsto para adesão em 180 dias subsequentes à desestatização, seja após os 18 meses contados a partir da privatização, prazo em que é vedada a demissão sem justa causa dos servidores da ECT[xix].


O governo demonstra total desconhecimento desses impactos e do funcionamento do serviço postal, como demonstra o vice-presidente Hamilton Mourão nessa declaração: “Entendemos que o governo pode perfeitamente abrir essa atividade para as empresas privadas. Existe um vasto interior do Brasil que deverá continuar a ser entendido por uma empresa ligada ao governo”[xx]. Mantendo um estatal atendendo somente as localidades de difícil acesso e baixa densidade demográfica, e repassando à iniciativa privada a prestação do serviço nos municípios maiores onde há maiores ganhos de escala, é fácil prever que a rentabilidade auferida atualmente pelos Correios será repassada a entes privados, retirando os ganhos que garantem o subsídio cruzado que dá sustentação às agências das cidades pequenas do interior do país.


A melhor forma de mitigar esses danos provenientes da privatização, caso ocorra, é através de regulação, seja por autarquias (agências reguladoras), ou a cargo do próprio Ministério das Comunicações. Ocorre que não temos essa experiência nesse ramo, o que acarreta em sérios riscos de comprometer a boa prestação desses serviços à população. De qualquer modo, uma empresa que atue em um serviço público como o postal não deve ser orientada pelo lucro nas suas ações e decisões, mas principalmente pela universalização do acesso e qualidade no atendimento de seus serviços.


Embora o discurso do Governo Bolsonaro seja de tornar os Correios uma empresa mais eficiente, conforme todas as privatizações apresentadas desde 2019, a real motivação das desestatizações é entregar à iniciativa privada, atendendo os interesses particulares e escusos dos financiadores da campanha bolsonarista em abocanhar cerca de R$ 1 bilhão de lucros obtidos pela companhia. Como já denunciado recentemente, “sob a batuta de Guedes, o Estado” se concentra em perseguir tão somente o “equilíbrio fiscal” via austeridade, nesse caso pela geração de receitas não recorrentes das privatizações[xxi]. É como se Guedes desejasse “transformar o aparelho estatal num grande portfólio de investimentos, cuja carteira deve ser disponibilizada para clientes empresários e rentistas, tal qual fazia nos seus tempos de atuação no mercado de capitais[xxii]. Isto é, conduz tal qual um “Estado Corretor[xxiii].


Para instaurar um pano de fundo justificável para promoção de alienação de estatais, os governos comprometidos com os interesses neoliberais (como FHC, Temer e atualmente Bolsonaro) mantêm a economia e o próprio Estado em um “estado de crise”[xxiv], em que se argumenta a inviabilidade de manutenção do controle das empresas públicas por conta de severas dificuldades econômico-financeiras enfrentadas pelo acionista, no caso, o Estado. Em suma, cria-se uma solução estrutural para a resolução de um problema conjuntural. Adicionalmente, mesmo que o verdadeiro objetivo do governo fosse aumentar a eficiência dos Correios mediante a privatização, é falaciosa e infundada a crença “de que as empresas privadas são inerentemente mais eficientes do que as estatais[xxv].


Além dos argumentos pertinentes ao serviço postal brasileiro, os Correios podem contribuir de outras formas para o país:


1. Recuperação do Estado: mantendo os Correios lucrativo, os dividendos gerados podem auxiliar a melhorar as contas públicas[xxvi];

2. Política Industrial: como aventado por Fausto Oliveira, é possível criar uma sinergia entre os Correios e a Embraer, empresa estratégica para o desenvolvimento do país, o que proporcionaria a oferta de um serviço industrial e logístico de grande no Brasil;

3. Reforma Educacional: envio de livros e material didático para crianças matriculadas nas escolas, em todos os 5.570 municípios brasileiros;

4. Fomento à Cultura: com a geração de lucros, podem parcialmente serem vertidos para financiamento e patrocínio de projetos culturais.

Nesse particular, é mister que se busque manter os Correios como uma estatal, atendendo com a máxima presteza e por um preço justo, mesmo as localidades mais longínquas e de difícil acesso. Sua contribuição ao desenvolvimento sócio-econômico, é imprescindível para a retomada econômica e geração de melhor bem-estar à população.


 

[i] https://pt.wikipedia.org/wiki/Empresa_Brasileira_de_Correios_e_Tel%C3%A9grafos. [ii] Para saber outros serviços, sugere-se a leitura do seguinte artigo: https://outraspalavras.net/direitosouprivilegios/os-correios-e-o-brasil-em-liquidacao/. [iii] https://graficos.poder360.com.br/WIvw6/2/. [iv] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,depois-de-quatro-anos-no-vermelho-correios-tem-lucro-de-r-667-milhoes-em-2017,70002301493. [v] https://rib.ind.br/riscos-economicos-da-privatizacao-dos-correios/. [vi] https://graficos.poder360.com.br/WIvw6/2/. [vii] https://rib.ind.br/riscos-economicos-da-privatizacao-dos-correios/. [viii] Idem. [ix] Ibidem. [x] Ibidem. [xi] https://outraspalavras.net/direitosouprivilegios/os-correios-e-o-brasil-em-liquidacao/. [xii] Idem. [xiii] Ibidem. [xiv] https://www.metropoles.com/brasil/mourao-defende-estatal-focada-no-interior-apos-privatizacao-dos-correios?amp&__twitter_impression=true. [xv] https://rib.ind.br/riscos-economicos-da-privatizacao-dos-correios/. [xvi] Idem. [xvii] https://outraspalavras.net/direitosouprivilegios/os-correios-e-o-brasil-em-liquidacao/. [xviii] Idem. [xix] https://www.metropoles.com/brasil/mourao-defende-estatal-focada-no-interior-apos-privatizacao-dos-correios?amp&__twitter_impression=true. [xx] Idem. [xxi] https://www.wecoletivo.com/post/privatiza%C3%A7%C3%B5es-e-precariza%C3%A7%C3%A3o-de-estatais-o-estado-corretor-de-guedes. [xxii] Idem. [xxiii] Ibidem. [xxiv] https://www.wecoletivo.com/post/estado-de-crise-um-projeto-neoliberal-brasileiro. [xxv] https://www.wecoletivo.com/post/o-mito-da-empresa-privada-eficiente-o-mantra-do-mercado. [xxvi]Parte do lucro das estatais é usada para reinvestimento, e parte volta ao Estado, melhorando o seu resultado fiscal. Isto é, se considerarmos que o Estado é o principal acionista das estatais, e a sociedade é detentora dos bens do Estado, indiretamente esta é a principal beneficiada, ao invés de proporcionar dividendos a poucos acionistas privados com a alienação dessas empresas”. https://www.wecoletivo.com/post/privatiza%C3%A7%C3%B5es-e-precariza%C3%A7%C3%A3o-de-estatais-o-estado-corretor-de-guedes.

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