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Recuperação em V de Voo da Galinha: O Que Esperar do PIB em 2021?
Atualizado: 24 de jul. de 2021
Por Christian Velloso Kuhn
Economista e professor do Instituto PROFECOM
Como de praxe, os analistas do mercado financeiro demonstraram euforia exagerada e descabida com os números recentes do PIB para o primeiro trimestre de 2021. Segundo dados do IBGE, em relação ao trimestre imediatamente anterior, o crescimento econômico foi de 1,2%. Parte da euforia se justifica pela surpresa causada com o índice, dado que a expectativa dos agentes do mercado estava em 0,7% em média[i]. Esses mesmos agentes já especulam um possível crescimento do PIB no ano na ordem de 5%. Para tanto, nada de extraordinário seria necessário, apenas que nos próximos três trimestres de 2021, o PIB mantivesse em igual patamar alcançado no 1º trimestre, ou seja, uma variação nula (0%) em cada trimestre em relação ao anterior até o final do ano[ii].
Isso acontece porque a base de crescimento do PIB nesse 1º trimestre do ano está bastante deprimida, haja vista os efeitos econômicos recessivos causados pela pandemia - e pela incompetência e inércia do governo federal em promover medidas mais contundentes para conter a recessão no Brasil (com queda de -4,1% em 2020), como fez a China, com crescimento de 2,3% em igual período[iii]. Vale lembrar que o crescimento pífio do PIB no período 2017-2019 (média de 1,26% ao ano) foi aquém do necessário para recuperar a recessão de 2014-2016 (média de -2,12% ao ano)[iv]. Logo, apesar da variação positiva do PIB nesse primeiro trimestre do ano, foi suficiente apenas para retomar ao nível que se encontrava no período pré-pandemia (conforme se observa no gráfico abaixo), mas ainda inferior ao requerido para recuperar o patamar que a economia brasileira se encontrava no 2º trimestre de 2014, maior valor real dessa variável até o momento. Segundo simulações de Oreiro e Ferreira Filho[v], caso o PIB tivesse permanecido crescendo à média do período pré-pandemia (do 4º trimestre de 2016 ao 4º trimestre de 2019), estaria em um patamar 2,3% superior ao atual. Desse modo, ainda nos encontramos com nível do PIB abaixo do 1º trimestre de 2013[vi].

Observe-se que a queda do PIB no ano passado se concentrou no 1º semestre, todavia, foram necessários três trimestres (dois últimos trimestres de 2020 mais o primeiro trimestre de 2021) para recuperar a retração dois primeiros trimestres de 2020. Isso demonstra que a economia brasileira segue retomando lentamente o nível de produção a cada tombo, tal qual vem seguindo desde 2017. É como um carro que desce uma ladeira com o motorista com o pé no acelerador e sobe com o freio de mão puxado.
Portanto, esse efeito de variação positiva sucedendo retração do PIB deve ser analisado com racionalidade e prudência. Os especialistas denominam esse fenômeno de “herança estatística”[vii] ou carry-over[viii]. Para explicar de um modo mais fácil e didático, imagine-se que um indivíduo comprou uma ação a R$ 10,00 na Bolsa de Valores. No mês seguinte, ela cai 5%, recuando o valor da ação para R$ 9,50. É razoável supor que no próximo mês, estatisticamente, seja mais fácil crescer 5% sobre essa nova base (R$ 9,50) do que sobre o valor inicial da ação (R$ 10,00), embora se isso vier a ocorrer, subirá para R$ 9,98, ou seja, em dois meses estará ainda dois centavos abaixo do valor que o indivíduo adquiriu inicialmente. Assim, toda a vez que uma determinada variável reduz ou aumenta o seu patamar em um período, carrega essa herança estatística de maior tendência de elevação ou queda no período seguinte, respectivamente.
Feitas essas considerações de ordem estatística, desfazendo qualquer deslumbramento dos resultados apresentados pelo PIB no primeiro trimestre do ano, podemos nos focar na análise de conjuntura econômica. Primeiramente, vale ressaltar quais são os pontos positivos desse desempenho recente. Relativamente a igual período de 2020, o PIB apresentou um crescimento de 1% no primeiro trimestre desse ano, sendo a primeira vez desde o advento da pandemia que se registra uma variação positiva nesse tipo de comparação.
Pela ótica da oferta, o setor com maior contribuição nessa alta foi a Agropecuária, com elevação de 5,7% sobre o último trimestre de 2020. De acordo com o IBGE, a ótima safra da soja, podendo ser recorde de colheita nesse ano, é o principal fator que explica tal crescimento do setor. Já pelo lado da demanda, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que soma a compra de máquinas e equipamentos, expansão de instalações e variação de estoques, foi o destaque, com aumento de 4,6% em relação ao trimestre imediatamente anterior. Registre-se também o estímulo externo de demanda de commodities, que somado à desvalorização cambial, repercutiu positivamente sobre a elevação de 3,7% das exportações em igual período de comparação.
Quando se avalia o desempenho ante o mesmo trimestre de 2020 (que desconsidera o efeito sazonal), pelo lado da oferta, o destaque vai novamente para a Agropecuária, com avanço de 5,2%, mas também vale ressaltar os desempenhos da Indústria, com elevação de 3%, e do Comércio, com 3,5% de crescimento, este último, de acordo com Nelson Barbosa, muito possivelmente incentivado pela ampliação das compras online e serviços de entrega[ix].
Por outro lado, quando se avalia os aspectos negativos, pelo lado da oferta, com variações bem mais modestas, a indústria e os serviços expandiram somente 0,7% e 0,4%, respectivamente, no cotejo ao quarto trimestre de 2020. Essa queda da indústria causa, segundo Oreiro[x], uma desindustrialização, pois reduz ainda mais o peso desse setor no PIB, tendência verificada na economia brasileira desde os anos 1990. Já pela ótima da demanda, os consumos das famílias e do governo caíram 0,1 e 0,8%, respectivamente, ante igual período.
Quanto à comparação ao mesmo trimestre de 2020, os serviços apresentaram recuo de 0,8% pela ótica da oferta, que Barbosa supõe ser “devido ao arrocho fiscal e aos efeitos da segunda onda da Covid sobre a prestação de serviços pessoais nas cidades”[xi]. O economista também aponta para a retração da Construção Civil, de 0,9% frente o mesmo trimestre do ano anterior (a quinta seguida), ainda que tenha recebido o estímulo da redução das taxas de juros e “o boom nos preços dos imóveis”. Ainda de acordo com o ex-ministro, “não haverá recuperação sustentável sem aumento substancial da construção civil”.
Outrossim, pelo lado da demanda, o consumo das famílias sofreu uma redução pela quinta vez consecutiva, dessa vez na ordem de 1,7%. Barbosa atribui essa queda à descontinuidade do auxílio emergencial combinada com o recrudescimento da inflação. Outro componente da demanda agregada que apresentou redução foi o consumo do governo, com 4,9% de recuo (o décimo consecutivo), que segundo o economista, deve-se ao arrocho fiscal promovido pelo Governo Federal.
Visando se consolidar uma síntese da atual conjuntura, resta saber o que pesam mais, os fatores positivos ou negativos? Como bem aponta o professor José Oreiro[xii], o crescimento do PIB registrado nesse primeiro trimestre de 2021 pode, basicamente, ser creditado a uma “ilusão contábil”, haja vista que boa parte desse desempenho se deve à recomposição dos estoques (que faz parte da FBCF pela ótima da demanda). De acordo com uma simulação de Bráulio Borges da LCA Consultores, citada pelo economista em seu artigo, sem o impacto da variação dos estoques, o PIB teria recuado 1,6% no primeiro trimestre de 2021 contra o mês imediatamente anterior. Isso é particularmente ruim, pois caso a maior parte da FBCF fosse devido a compra de máquinas e expansão das edificações, poderia se esperar também um aumento da capacidade instalada e, consequentemente, do nível potencial da oferta. Depreende-se que o nível de ociosidade ainda siga alto, requerendo uma demanda maior para puxar a produção.
Adicionalmente, não podemos descartar o fator de forte incerteza, vide aguardar qual será a evolução da pandemia, o avanço da vacinação e o risco de uma crise energética, o qual pode conter a recuperação econômica. Além disso, como bem argumenta Barbosa, há uma disparidade grande no desempenho comparado entre setores, regiões e classes de renda, este último repercutindo no efeito de queda do consumo das famílias, que pode vir a retomar no segundo trimestre com o retorno do auxílio emergencial concedido desde abril, ainda que aquém das cifras disponibilizadas no ano passado.
Como bem frisado por Ciro Gomes[xiii], sem um projeto com norte e diretrizes bem definidos, dificilmente pode se esperar um crescimento sustentável, mais provavelmente uma trajetória que os economistas chamam de stop and go, ou a expressão usada por Gomes, um “voo de galinha”. Até porque, citando a metáfora empregada por Ciro, "Não existe vento a favor para piloto que não sabe que rumo tomar".
Ademais, destacando uma paráfrase do ex-ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Dilma, de uma frase do ex-presidente Médici no decorrer do Milagre Econômico (1968-1973), “a economia vai bem, mas o povo vai mal”. Mecanismos como o auxílio emergencial e apoio creditício e fiscal a pequenas e médias empresas são de sobremaneira cruciais tanto para a recuperação do PIB e redução do desemprego, como para melhorar a distribuição da renda. Como bem conclui Barbosa, “O governo tem instrumentos para fazer isso, mas por enquanto nossa equipe de ideologia econômica se recusa a ler corretamente a mensagem do PIB. Para a recuperação ser efetiva, ela deve ser para todos”. Ao encontro dessa máxima, Mônica de Bolle, em seu novo livro, Ruptura[xiv],
“Se tentarmos desenhar respostas econômicas descoladas do que vêm dizendo epidemiologistas e infectologistas, da situação em que a epidemia nos coloca de fato, estaremos desenhando medidas econômicas para um cenário fictício, em lugar de usar a imaginação para traçar medidas e políticas adequadas” (DE BOLLE, 2020, p. 37).
Se no ano passado, o governo, ainda que tardia e ineficientemente, tenha criado alguns mecanismos que corroboraram para atenuar os efeitos recessivos do combate à pandemia, o mesmo não se pode afirmar quanto à adequação ao que apregoam os melhores especialistas da área da saúde mencionados por De Bolle. E nesse ano, dramaticamente, vê-se o governo adiar a vacinação e se preocupar em demasia com cumprir o Teto dos Gastos e responsabilidade fiscal, sem em contrapartida dar estímulos consistentes tanto para a recuperação do crescimento da economia, como para dirimir os elevados índices de desemprego, fome e miséria. Logo, como bem Barbosa conclui em seu artigo, precisamos de um crescimento econômico mais inclusivo. Até o momento, a tal “Recuperação em V”, tão prometida por Guedes, vem sendo viciosa e vergonhosa.
[i] https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/06/02/pib-surpreende-e-projecao-para-o-ano-ja-supera-5.ghtml. [ii] https://jlcoreiro.wordpress.com/2021/06/07/uma-analise-cetica-sobre-os-dados-positivos-do-pib-escrevem-helder-lara-e-jose-oreiro-site-poder-360-04-06-2021/. [iii] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/03/veja-o-desempenho-do-pib-de-varios-paises-em-2020-e-no-4o-trimestre.shtml. [iv] https://www.wecoletivo.com/post/2011-2020-a-d%C3%A9cada-pand%C3%AAmica. [v] https://jlcoreiro.wordpress.com/2021/06/07/uma-analise-cetica-sobre-os-dados-positivos-do-pib-escrevem-helder-lara-e-jose-oreiro-site-poder-360-04-06-2021/. [vi] Idem. [vii] https://noticias.r7.com/economia/heranca-estatistica-entenda-como-os-resultados-anteriores-afetam-o-pib-02062016?amp. [viii]https://maisretorno.com/portal/termos/c/carry-over. [ix] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/06/v-de-vigor-ou-vulnerabilidade.shtml. [x] https://jlcoreiro.wordpress.com/2021/06/06/pib-do-1o-t-foi-ilusao-contabil-de-crescimento-hora-do-povo-03-06-2020/. [xi] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/06/v-de-vigor-ou-vulnerabilidade.shtml. [xii] https://jlcoreiro.wordpress.com/2021/06/06/pib-do-1o-t-foi-ilusao-contabil-de-crescimento-hora-do-povo-03-06-2020/. [xiii]https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2021/06/ciro-gomes-diz-que-crescimento-do-pib-e-voo-de-galinha-e-que-nao-existe-vento-favoravel-para-piloto-sem-rumo.shtml. [xiv] DE BOLLE, Mônica. Ruptura. Rio de Janeiro: Intrínseca. 1ª Ed. 2020. 320 p.