- Thaynan Alves Oliveira
Setor tecnológico brasileiro em “moonwalk”
Atualizado: 16 de mai. de 2021
Thaynan Alves Oliveira
Mestre em Ciências e Tecnologias Espaciais (ITA)
Atualmente cursando doutorado em Eng. Mecânica (Université de Lille – FR)
Você lembra do moonwalk, aquele famoso movimento de dança em “marcha ré” imortalizado pelo ícone pop Michael Jackson? Esse passo que conquistou milhões de fãs ao redor do mundo também pode representar o andar do setor tecnológico brasileiro em pleno século XXI. Para esclarecer tal afirmação, terei como base a experiência de dois anos e meio em que estive estudando no setor aeroespacial brasileiro, dentro do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), em São José dos Campos – SP. Mas não me entenda mal, caro leitor, o desenvolvimento espacial brasileiro ainda está longe da “marcha na lua”, tradução livre do termo inglês moonwalk. A analogia entre os passos de dança e a nossa tecnologia está na movimentação que, diga-se claramente, anda em sentido oposto.
A nível de informação, o DCTA (antigo CTA) viveu seu ápice de produtividade no período de regime militar. De lá saiu a terceira maior fabricante de aviões do mundo EMBRAER. Em meados dos anos 80, pós desvinculação da EMBRAER, alguns institutos de pesquisa passaram a dar passos largos no desenvolvimento tecnológico espacial. Vários foguetes de sondagem (incapazes de entrar em órbita terrestre) foram desenvolvidos com objetivo de testar componentes e gerar conhecimento para o grande projeto brasileiro: um veículo lançador de satélites. Tais projetos de foguetes e missões bem sucedidas, são resumidos no site[i] do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE). O professor Palmerio, uma das mentes excepcionais que se aposentaram durante meu período de mestrado, cita em sua obra[ii] “Introdução à Tecnologia de Foguetes” que em tal época o investimento público permitia o ritmo intenso e, com isso, as diversas atividades desenvolvidas originavam novos resultados frequentes.
O fim da ditadura militar representou um indiscutível avanço em termos de liberdades políticas individuais para nós brasileiros, mas também simboliza o começo de um novo plano político-econômico. Nesse plano, o setor aeroespacial foi sendo colocado de lado, juntamente a todo desenvolvimento tecnológico em defesa que ele impulsionava. Investimento e esforço público insuficientes resultaram no trágico acidente de 2003, quando 21 técnicos e engenheiros do IAE morreram no Centro de Lançamento de Alcântara, trabalhando na missão de lançamento do Veículo Lançador de Satélites brasileiro (VLS-1). Nos anos seguintes, nosso desenvolvimento que já estava lento, passa a retroceder com a perda constante de recursos humanos por aposentadorias, escassez na contratação de novos quadros e a falta de apoio político, de forma que professor Palmerio em sua obra conclui:
“Porque, no segmento do desenvolvimento de foguetes nacionais, o Programa Espacial Brasileiro não tem a dimensão compatível com a do Brasil. As metas estabelecidas não são prioritárias no contexto nacional e não estão, portanto, em efetiva execução.”
No pouco tempo em que estive inserido em instituições da pesquisa espacial brasileira, conheci grandes pessoas e mentes altamente capacitadas. Na minha opinião, falta ainda uma política que leve a tecnologia a sério. Falta maior integração da academia e do setor produtivo. Falta uma liderança capaz de incentivar o foco da produção científica brasileira nos problemas nacionais. Falta um plano nacional de desenvolvimento com prazos e metas. Quem sabe um dia, poderemos parar de dançar como Michael Jackson e passar a sonhar com a “marcha na lua”.
Referências [i] Instituto de Aeronáutica e Espaço website. https://www.iae.cta.br/# [ii] Ariovaldo Felix Palmerio. Introdução à tecnologia de foguetes. São José dos Campos/SP: SindCT, 2017.
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